Elisa de Campos Borges Um novo para o Chile: experiencia do governo Allende
Revista iZQUIERDAS
Año 2, Número 3 ISSN 0718-5049
Um novo caminho para o Chile: a experiencia do Governo Allende A new way to Chile: the experience of the Allende government
Elisa de Campos Borges*
Resumen
O estudo das experiencias de atuagao política dos trabalhadores chilenos tem sido essencial para a compreensao da constituigao de uma classe que desempenhou importante papel na historia chilena. Com este paper, estamos iniciando um estudo sobre a participagao dos trabalhadores de diversas fábricas nos Cordones Industriales, a partir da crise de outubro de 1972
Palabras Clave: Cordones industriales, Vía chilena, Goberno popular, Movimentos sociais
The study of the experiences of Chilean political activities of employees has been essential to understanding the formation of a class that has played important role in Chilean history. With this paper, we are initiating a study on the participation of workers from various factories in Cordones Industriales, from the crisis of October 1972
Keywords: Cordones industriales, Vía chilena, popular government, Social Movements
Em 1970, Salvador Allende venceu a eleigao presidencial apresentando um projeto único na América Latina: abrir caminho ao socialismo por meio de mudangas profundas no regime económico, político e social do país, sem revolugao armada. Era a chamada "via chilena ao socialismo". Das diversas experiencias inovadoras possibilitadas durante o governo Salvador Allende, talvez uma das mais relevantes seja a participagao dos trabalhadores no processo político. Nao é por acaso que desde o início do seu governo, o compañero presidente conclamava os trabalhadores para serem os protagonistas daquele processo, e, os incorporou na política do Estado, principalmente pela participagao em organismos criados nos locais de trabalho, como por exemplo, os conselhos diretivos e os comites de produgao.
Os fatores que geraram a crise de outubro e que intensificou a criagao de vários Cordones Industriales estavam presentes no período anterior ao "paro patronal", através das agoes coordenadas da direita com apoio da classe média e também do governo norte americano. Era
* La autora es Doutoranda do Programa de Pós-Graduagao de Historia Social da Universidade Federal Fluminense (PPGH-UFF/Rio de Janeiro/Brasil), sob orientagao do Professor Dr. Norberto Osvaldo Ferreras.
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uma crise política, económica, social e ideológica que atingía grandes proporgóes. A crise de 1972 foi entao, a radicalizado desses processos e se caracterizou pela evidencia de sujeitos sociais e de movimentos de base de diversas matrizes. No campo da direita, destaca-se o desenvolvimento dos gremios e colegios profesionales e de movimentos cívicos contra o governo da Unidade Popular (UP). No campo da esquerda, os movimentos sociais urbanos que defendiam uma dinámica de democracia direta e ficaram conhecidos como Cordones Industriales, Comando de Coordenación e, posteriormente, os Comandos Comunales.1 A crise de outubro significou também o distanciamento entre a UP e setores da classe média. Como afirma Moulian , esse processo da greve de 1972 nao pode ser explicado apenas a partir de uma interpretado conspirativa, mas de um processo de deteriorizagao real das classes médias.
Durante a crise de outubro, o governo adotou uma série de medidas para amenizar os efeitos da greve e convocou em conjunto com a CUT, trabalhadores e partidarios da UP para se organizarem nas tarefas vitais afetadas pelo movimento grevista, foi a chamada Batalha da Produgao. É neste contexto que passa a existir os Cordones Industriales, os Coordenadores Comunales e outras organizagóes de base que assumem o controle e a continuidade do processo produtivo, transporte e distribuigao de bens de consumo para a populagao. Segundo Franck Gaudichau3, estas coordenagóes de trabalhadores de caráter horizontal respondem em massa contra o boicote patronal com diversas ocupagóes de fábricas em conjunto com a atuagao dos trabalhadores da Área de Propriedade Social (APS).
O primeiro Cordón Industrial a se organizar, precede a data do "paro de octubre", ocorrendo no final de junho de 1972, em uma área de grande concentragao industrial que unia Cerrillos com a Comuna de Maipú, e, por isso, tinha uma grande tradigao sindical e de mobilizagóes. Segundo dados apresentados por Eder Sader, em 1972, 9% do total de greves realizadas em Santiago ocorreram em Cerrilos-Maipú. Este dado aumenta para 40% se contabilizarmos as greves do setor industrial. Em junho de 1972, iniciou-se uma greve em algumas empresas, como a Perlak, Polycron e El Mono, onde os trabalhadores exigiam do governo que as tornassem área de propriedade social. Em 22 de junho, os trabalhadores que estavam no conflito, reuniram-se para discutir as reivindicagóes e estratégia única para o movimento. Em 27 de junho, eles resolveram, entao, constituir o "Comando de Coordinación de Lucha de los Trabajadores del Cordón Industrial Cerrillos-Maipú". Este foi o embriao do Cordón Cerrillos, que comegou a organizar canais de solidariedade entre os trabalhadores das indústrias e os moradores da comuna. Em 12 de julho, o Comando Coordenador del Cordón Cerrillos-Maipú organizou uma passeata no centro de Santiago com objetivo de demonstrar sua oposigao as instituigóes que impediam, principalmente, o processo de ampliagao da Área Social da Economia. Esse ato reuniu por volta de cinco mil participantes, dentre eles camponeses,
1 TRANCOSO,Hugo Cancino. Chile:La problemática del Poder Popular em el Proceso de la via chilena al socialismo - 1970-1973. Ed. AARHUS,University Press,1988.
2 MOULIAN.Tomas. Fracturas. De Pedro Aguirre Cerda a Salvador Allende 1938-1973. Santiago:Lom,2006,p.258-259.
3 GAUDICHAUD,Franck. Poder Popular y Cordones Industriales. Testemonios sobre el movimiento popular urbano,1970-1973. Santiago: LOM, 2004.
4 SADER,Eder. Cordon Cerrillos et Povoir Proletaire au Chili em 1972. IN:Les temps Modernes, n. 347, junio,1975.
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moradores, trabalhadores e operários da regiao de Cerrillos-Maipú. Mas, somente a partir da crise de outubro que se multiplicou esse tipo de experiencia, tornando-se referencia da chamada "democracia de massas" . Ela foi experimentada por trabalhadores durante as discussoes e decisoes tomadas coletivamente nas agoes que seriam implementadas pelos Cordones.
Os estudos das relagoes de classe precisam encontrar-se inseridas no contexto histórico da sociedade em questao, para que sejam percebidas subjetividades e características próprias desenvolvidas ao longo da historia das sociedades. Neste sentido, Hobsbawm alerta para a importancia de uma análise da combinagao de elementos que possa ajudar, nao apenas na descrigao ou quantificagao dos fatos, mas na jungao de elementos que indiquem a essencia do objeto estudado, seja ele económico, social, cultural, político, etc.
O autor ainda afirma que todas as classes operárias nacionais tendem a serem heterogéneas e com múltiplas identificagoes, apesar de que, em determinadas épocas e para determinados fins, algumas dessas identificagoes possam sobressair. Assim, fazendo uma analogia com o caso dos Cordones Industriales, as relagoes de classe dentro de cada fábrica que compunha os Cordones tinham características comuns dadas pelas relagoes de produgao. Era comum entre os trabalhadores o sentimento de exploragao e a precariedade de suas condigoes de vida, mas, também, existiam particularidades que precisam ser consideradas. Assim, seria relevante no estudo dos Cordones também nos atermos a essas diferengas para nao atribuir a este movimento uma uniformidade inexistente.
Dessa forma, entendemos que o estudo dos trabalhadores que participaram dos Cordones Industriales precisa partir do que E.P. Thompson chamou de experiencia de classe, ou seja, da trajetória comum desses sujeitos, marcada por fenómenos históricos construídos ao longo dos acontecimentos das relagoes humanas.
O conceito de experiencia utilizada pelo autor é, entao, a resultante do estudo do ser social e da consciencia social. Assim, a classe só pode ser entendida como uma formagao social, económica e cultural desenvolvida historicamente, abandonando o conceito estático de descrigao do "ser social" e nao se concentrando apenas nas normas ou estruturas. O cotidiano da classe inserido numa sociedade e num contexto é fundamental para o seu estudo, assim como considerar as normas, a cultura, os costumes etc.
Mas segundo Thompson, a "classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiencias comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opoem) dos seus"8. Portanto, a experiencia de classe tem grande influencia e pode ser quase determinada pelas relagoes de produgao, enquanto a esfera
5 MOULIAN, op.cit.,p.268.
6 HOBSBAWM, Eric. Historia Operária e Ideologia.IN: Mundos do Trabalho. Novos Estudos sobre a Historia Operária. Rio de Janeiro:Paz e Terra,2000.
7 THOMPSON, E.P. A formagao da Classe Operária Inglesa I - A árvore da liberdade. Sao Paulo:Ed. Paz e Terra,2004.
8 Ibid.,op.cit., p.10.
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subjetiva é tratada em termos culturais. Entretanto, é importante ressaltarmos que a classe nunca está pronta ou adquire uma feigao definitiva, pois, ela é um processo histórico nao acabado.9
Assim, no caso dos Cordones, o local de trabalho (entendendo ele em sua complexidade desenvolvido a partir do processo produtivo e de seus desdobramentos históricos), é o principal fator que possibilitou o agrupamento daqueles trabalhadores que participaram do movimento de outubro. Mas existem outros relevantes como: a conjuntura política vivida na época que concretizava a probabilidade de mudanga social, económica e política no Chile; a radicalizagao da burguesia contra o governo; o apoio, mesmo que crítico, ao processo que se estava vivenciando no país. Apesar das divergencias com o governo, os trabalhadores dessas indústrias sabiam da necessidade de continuidade do governo Allende para seguir acreditando na possibilidade de possíveis mudangas estruturais no país. Moulian ressalta que, neste período especial, os dominados, ou como os conceitua, os subalternos, sentiam-se sujeitos históricos. Os trabalhadores de poucos recursos participavam da gestao da fábrica, falavam nas assembléias de igual para igual em relagao aos dirigentes sindicais e assumiram em seus discursos identidade de classe e consciencia do papel de cada trabalhador naquele processo. Era um momento de intensa luta de classes e, para a classe trabalhadora, sua unidade poderia significar a instalagao de uma democracia de fato, nao representativa apenas em termos políticos, mas capaz de abranger também o aspecto material e cultural. Diante dessas questóes, podemos afirmar que a classe trabalhadora neste processo tinha consciencia de si.
Por tudo isso, a formagao dos Cordones Industriales nao pode ser explicada apenas como uma resposta de movimentos e partidos a atuagao de setores contrários a linha política da Unidade Popular ou, posteriormente, apenas como expressao de construgao do Poder Popular. Ela necessita ser explicada a partir das experiencias do movimento operário e popular chileno.
Em algumas entrevistas publicadas por Franck Gaudichau, percebemos opinióes e reflexóes diferenciadas em relagao a este movimento. Sem dúvida, a experiencia vivenciada e construída por cada trabalhador que participou daquele processo vai delinear sua percepgao atual do que ocorreu num momento de grande radicalizagao política. Assim, o trecho das entrevistas com os trabalhadores e participantes desse processo esclarece a necessidade de nao tratarmos os Cordones como algo uno, mas como constitutivo de experiencias particulares e coletivas. Neste sentido, exemplificamos essa questao nos depoimentos a seguir.
Para Mario Olivares11, que era militante do MIR e operário de uma empresa eletrometalúrgica, que fazia parte do Cordón Vicuña Mackenna: "...los cordones tenían una conotación claramente política, del lineamento político, que era partir de allí ir creando los embriones y los órganos de poder, ir construyendo el poder local. Ese era el fin de nuestra política, y de los sectores de la izquierda, de la UP. Insisto no del PC, sino
9 HOB SB AWM,Eric. O fazer-se da classe operaría 1870-1914. In: Mundos do Trabalho. Novos Estudos sobre a Historia Operária. Rio de Janeiro:Paz e Terra,2000,p.279.
10 MOULIAN, op.cit.,p.267.
11 GAUDICHAUD, Franck.Poder Popular y Cordones Industriales. Santiago: LOM, 2004, pg. 171.
Esta obra de Gaudichaud é composta de uma analise do governo Allende e de entrevistas com participantes dos Cordones e Comandos. As entrevistas estäo transcritas, porém sem qualquer tipo de análise ou comparagäo relacionando os diversos depoimentos.
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de los sectores que empiezan a enganchar con esto, básicamente el PS, sectores de MAPU y la Izquierda Cristiana... ellos enganchan con este lineamiento político, pero no veían tan clara esta suerte de embrión de poder popular. Ellos lo veían basicamente como un aparato de poder local, pero en cuanto a no cuestionar al aparato mismo, al aparato del Estado. Por otro lado teníamos la confrontación violenta y sistemática de la reacción con atentados, sabotajes, el problema del desabastecimiento que se empieza a agudizar..."
Juan Alarcon, que era operário, filiado ao PC e sindicalista da empresa SUMAR, relatou que chegou a participar de algumas reunioes dos Cordones: 'Yo asistí personalmente a muy pocas reuniones de los Cordones Industriales. Eso se debió a que me entregue de lleno al trabajo sindical interno. Yo fui llamado por el Comité Textil porque era muy importante que allí hubiera un representante de la empresa en que yo estaba. El partido me pidió que fuera a ayudar allí... Yo me desmatelé además porque vi a gente dirigiendo el debate que no estaba en el terreno en que yo me movia... Pero no era eso lo que más me molestaba, sino que me impacto: era una cosa postiza, tal vez una necesidad importante del proceso revoluaonário pero que se estaba llevando a cabo por dirigentes de escritório, por dirigentes más políticos que gente trabajadora. Por eso mi impresión fue negativa. Fui a una sóla reunión y me dije que no estaba para perder el tiempo, aí es que no
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fui más "
Edmundo Jiles13, outro entrevistado, sem filiagao partidária, participava da Cooperativa Facol. Perguntado sobre os Cordones: "...Al princípio no se hablaba mucho; o sea, que fue una cosa que se dio de hecho no más sin una reflexión previa, sin una intencionalidad política que la hubiese precedido. Nació un poco así de forma espontanea tratando de dar respuesta a los problemas existentes en ese momento, no más. Después cuando empieza el debate político nosotros invitamos a los distintos partidos políticos de izquierda que componían la UP y la izquierda que no estaba en la UP a conversar con nosotros y la intenáón nuestra fue tratar de atraerlos y que se dieran cuenta de que ni éramos extremistas ni estábamos en contra de ela UP y lo que queríamos era ganar la batalla de la producaón y lo que queríamos era defender los derechos de los trabajadores y todas aquellas acusaciones de las cuales estábamos siendo objeto no tenían que ver con la realidad y que el gobierno debiera sentirse satisfecho de la capacidad de respuesta de nosostros como organizaáón..."
Nosso último exemplo é do Hernán Ortega14, militante do PS e Presidente de Cordón Cerrillos e da Coordenadora Provincial de los Cordones Industriales. Sobre os Cordones: 'Yo diria que los Cordones nacen con la intención de establecer, con el gobierno, una alternativa de interlocución con los trabajadores, con los pobladores. El nuevo poder tenia que ser un poder descentralizado, más democrático, por lo tanto requeria fortalecer los poderes locales en todo el amplio concepto de la partiápación a nível local... Tenia mucho que ver com las formas de participación que eran necesarias para impulsar la política del gobierno de nacionalizaáón de las emrpesas o recuperar los medios de producaón. O sea, a través de los Cordones industriales generábamos formas de participación para la gestión de las empresas en manos del estado... El surgimiento de los Cordones Industriales se ve favorecido cuando el gobierno determina crear las tres áreas de la economia...Y cuando surge el área social, bueno, requiere de un nível distinto de organización de los trabajadores para poder asumir los nuevos roles a los cuales estaban llamados en la participación de la gestión de esas empresas en esta área social..."
12 GAUDICHAUD, op.cit.,p.,99.
13 GAUDICHAUD, op.cit.,p. 253.
14 Ibid.,op.cit., p.193,
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Assim, o objeto aqui estudado é a expressao do acúmulo de forças e de experiência da classe operária e da esquerda chilena, que, desde os movimentos mais espontáneos durante o período de 1890 a 1915 nos enclaves mineiros até a fase de sindicalizaçao do movimento, contribuíram na formaçao social dos trabalhadores chilenos.
Neste sentido, a constituiçao dos Cordones também se destaca pela constituiçao económica do Chile que se relaciona com a concentraçao económica e o direito de propriedade. Em 1965, 2% das propriedades englobavam 55,4% da superfície. No setor mineiro, três companhias estrangeiras dominavam a produçao de cobre. Em 1963, 3% dos estabelecimentos industriais controlavam 58% do capital de todo o setor. Das 271 sociedades anónimas, os 10 maiores acionistas controlavam pelo menos 50% da propriedade. No setor de comercializaçao atacadista, 12 firmas distribuidoras controlavam 44% das vendas em 1967.15
O resultado de tais características económicas estava refletido na extrema concentraçao de renda, o que reforçava a manutençao do seguinte círculo: concentraçao económica, concentraçao de propriedade e concentraçao de renda. Estas questóes sao importantes porque delinearam historicamente as péssimas cond^óes de trabalho, às quais os operários eram submetidos. Sem direitos, com baixos salários, a organizaçao dessa classe e suas reivindicaçóes eram vislumbradas como possibilidade de melhoria de vida.
Algumas dessas reivindicaçóes históricas foram contempladas pelo governo Allende durante o seu mandato, por meio da adoçao de medidas sociais importantes, que se tornaram um marco na história chilena e possibilitaram que os trabalhadores que apoiavam a UP continuassem a vislumbrar o caminho de mudanças. Exemplificamos esta questao com o processo de nacionalizaçao de algumas indústrias, pois, além da criaçao do setor nacionalizado ou a Área de Propriedade Social que reunia todo setor estatal, possibilitou a participaçao dos trabalhadores na direçao dessas empresas.
Como desdobramento das açóes de nacionalizaçao, o governo realizou um acordo com a CUT, que visava estabelecer as normas de participaçao dos trabalhadores na área social da economia e criava os seguintes órgaos: a) Assembléia de trabalhadores da empresa; b) Assembléia das unidades produtivas (sessao departamento); c) Comitê de produçao das unidades produtivas; d) Comitê coordenador de trabalhadores da empresa; e) Conselho de Administraçao. Para a Unidade Popular, este era o início do processo que levaria os trabalhadores ao controle da produçao do país, e, para os trabalhadores era o início de um processo que poderia canalizar suas reivindicaçóes históricas em mudanças concretas. Entretanto, na prática esse esquema nao funcionou de forma regular na área social causando frustraçao nos trabalhadores e na própria CUT. Esta por sua vez, convocou uma conferencia nacional para outubro de 1973, que nao chegou a acontecer em funçao do golpe militar, para discutir as formas de participaçao nas empresas.
A organizaçao dos Cordones Industriales também se destaca como uma construçao inovadora em relaçao ao movimento sindical chileno que esteve relacionado com a atuaçao dos partidos
15 bitTAR, Sergio. Transigao, Socialismo e Democracia. Chile com Allende. Sao Paulo: Paz e Terra,1989.
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políticos desde a década de 20 e, principalmente, depois da fundaçao da CUT, em 195316. A correlaçao de forças entre o operariado chileno estava ligada à interaçao entre os partidos e a prática das massas, que era determinada pelos diferentes níveis da luta de classes. A política do movimento dos trabalhadores chilenos foi sempre original e diferenciada pela sua unidade de açao e organizaçao . Segundo Hugo Trancoso , a atuaçao popular na crise de outubro se manifestou em dois níveis: no institucional, através da CUT, que impulsionou a participaçao dos trabalhadores por meio de ministérios e organismos governamentais; e no nível extra-institucional, ou seja, a margem dos organismos sindicais ou de canais do governo, o que gerou novas organizaçoes de base que se articularam e programaram atividades das distintas áreas do movimento operário. Os participantes deste movimento demonstraram na prática a autonomizaçao do marco sindical tradicional e do Estado, entretanto, nao propunham a criaçao de um poder paralelo ao governo, mas sim o aprofundamento das mudanças com açoes mais radicais por parte do governo. Segundo Patrício Guzman , quando havia conflitos em empresas, principalmente as de pequeno porte, os trabalhadores se apresentavam ao Cordon no qual pertencia, para receber solidariedade, ajuda e respaldo nas negociaçoes com os patroes. É depois de outubro que o lema Criar Poder Popular torna-se cada vez mais intenso.
A criaçao dos Cordones também significou certa crise dos organismos de mediaçao e direçao sindical históricamente desenvolvida no Chile, a partir da sua relaçao com partidos e com a CUT. Mesmo que as mobilizaçoes dos Cordones nao se colocassem contrárias ao governo, os trabalhadores em bases próprias superavam as formas tradicionais de estruturaçao e atuaçao do movimento sindical. Isso se dá principalmente quando conseguem unir setores assalariados de diversas áreas de produçao, unificando sindicatos, trabalhadores e superando as deficiencias de estruturaçao territorial da CUT . Assim, os trabalhadores identificavam os Cordones com uma estrutura mais flexível do que as estruturas sindicais. Lembremos os setores mais radicalizados do Partido Socialista21 eram os principais impulsores dos Cordones, enquanto o MIR jogava maior papel nos Comandos Comunales. Mas tanto socialistas, como miristas passaram a se desentender após a greve de outubro devido a nao congruencia de opinioes sobre o que deveria ser o chamado Poder Popular, o papel dos Cordones dentro dele, sua relaçao com os organismos de base do governo e com o movimento sindical organizado.
Allende e Partido Comunista criticavam a atuaçao dos Cordones por analisar que naquele momento político concreto, as açoes de ocupaçao de fábricas enfraqueceriam as posiçoes do governo que buscavam o diálogo com setores da burguesia chilena. Afirmavam ainda, que eles nao poderiam ser concebidos e orientados em oposiçao ao governo e à sua política, assim como, nao poderiam se constituir em detrimento da substituiçao de outras organizaçoes chilenas como as Juntas de Vecinos, os Centros de Madres, os Sindicatos. As atuaçoes deveriam ser conjuntas. Allende chegou a dizer: "Consolidar el poder popular equivale a volver más
16 PIZARRO, Crisostomo. La Huelga Obrera en Chile. 1980-1970. Ed. Sur,1986.
17 CASTELLS, Manuel.La lucha de clases en Chile. Argentina: Siglo XXI,1974.
18 TRANCOSO, op.cit.,pg. 229.
19 GUZMAN, Patrício. A batalha do Chile III - O Poder Popular. Vídeo -vfilmes.
20 Esta discussao nao será aprofundada neste artigo e está presente nos livros de Gaudichaud e de Cancino.
21 O Partido Socialista aprovou em seu congresso em Chillán no ano de 1967 que a luta revolucionaria armada constituía na linha revolucionaria fundamental na América Latina.
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potentes los sindicatos, volviéndolos conscientes de que constituyen uno de los pilares fundamentales del gobierno."22 Havia portanto, uma disputa pelo controle e representagao do movimento de trabalhadores no Chile, historicamente hegemonizado pelos comunistas e, desafiado pelos Cordones.
Assim, para o PC, os Cordones deveriam se integrar a CUT como organizagoes de base, e, portanto, todo sistema de representagao dos trabalhadores na área de produgao deveria passar pelos sindicatos e pela Central Única dos Trabalhadores. O desenvolvimento dos Cordones e a adogao de um discurso mais radical também questionavam a visao da "revolugao chilena" postulada pelo PC, ou seja, era a disputa entre o gradualismo e o rupturismo.
Dessa forma, o debate sobre a participagao dos trabalhadores no processo do governo da UP e da formagao do Poder Popular, sem dúvida, fazia parte das concepgoes que cada partido e cada movimento social organizado postulava. É interessante notar que neste período da formagao dos Cordones foi um dos momentos em que a esquerda mais se dividiu e se atacou. Foi neste ano também que aconteceu a Assembléia do Povo, em Concepción, onde o PS, o MIR e o MAPU aprovaram um documento criticando principalmente a política de conciliagao de classe. Essa Assembléia teceu duras críticas ao governo e, em especial, a Allende e ao PC. As divergencias entre os rumos do governo dentro da UP eram visíveis, fragilizando todo o processo da "via chilena".
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22 Ibid., pg.219.
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Recibido: 8 de agosto de 2008
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Aceptado: 16 diciembre de 2008