Precarizagao e resistencia docente: Memorias de greves e crise de mobilizagao na Secretaria Estadual de Educagao de Sao Paulo
Precarization and teacher resistance: Memories of strikes and mobilization crisis in the SEE-SP
Resumo: Neste artigo, divulgamos parte da pesquisa de doutorado acerca do processo de precarizagao do trabalho docente na SEE-SP, sob a luz da Historia Social do Trabalho. Aqui, especificamente, apresentaremos a relagao entre resistencia docente e o processo de precarizagao, observada por meio da revisao bibliográfica e, principalmente, de memorias de professores aposentados e dos sentidos atribuidos pelos professores em atividades, desvelando o cenário de mobilizagao da categoria na sua dimensao de crise, reflexao e recriagao da resistencia. Conclui-se, nele, que a crise de mobilizagao docente é mais um elemento a ser compreendido como instrumento da precarizagao do trabalho de professores, na medida em que está engendrado para a fragmentagao da categoria e, em tal perspectiva, se realiza.
Palavras-Chave: Precarizagao do trabalho docente; resistencia; memorias de greves, crise de mobilizagao.
Abstract: In this article, we disclose part of the doctoral research on the casualization process of teaching in SEE-SP, based on Social Work History. Here, specifically, we present the relationship between teacher resistance and the casualization process observed by literature review and mainly of retired teachers memories and meanings attributed by teachers in activities, unveiling the category mobilization scenario in size of crisis, reflection and recreation of resistance. It is concluded that the crisis of teacher mobilization is another element to be understood as an instrument of the precariousness of teachers' work, since it is engendered for the fragmentation of the category and, in this perspective, it is realized.
Keywords: Precarious teaching work; resistance; strikes memories, mobilization crisis.
Recibido: 7 enero 2017 Aceptado: 22 marzo 2017
Mariana Esteves de Oliveira*
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Introdujao: Aportes e debates da pesquisa sobre resistencia docente
Em nossa pesquisa de doutorado, defendida no Programa de Pós Graduajao em História da UFGD sob o título de "Professor, voce trabalha ou só dá aula?", propomos uma reflexao acerca das formas pelas quais os professores da Secretaria Estadual de Educajao de Sao Paulo - SEE-SP experimentam o processo de precarizajao do trabalho docente a partir dos anos 1950, mas principalmente no contexto da reestruturajao produtiva do capital e da adojao de políticas neoliberais nos últimos trinta anos. Na referida tese, a pesquisa se fundamentou no materialismo histórico dialético e compreendeu os professores vinculados á SEE-SP na Diretoria Regional de Ensino de Andradina1. Foi realizada por meio de questionários estruturados e anónimos para professores em atividade, num total de 128, e com entrevistas orais a tres professores aposentados que ingressaram na SEE-SP entre os anos 1950 e 1960, para possibilitar uma maior profundidade temporal ao universo empírico.
Nao é novidade que os docentes sofreram, e ainda sofrem, um profundo processo de desvalorizajao material e social e há muitas pesquisas acerca do trabalho docente, da sua proletarizajao e precarizajao, no campo da Sociologia da Educajao e na área de estudos de "Educado e Trabalho". A novidade desta investigado, ora apresentada, está na inserto de professores como sujeitos do trabalho no campo da Historia e, especificamente, da Historia Social do Trabalho no Brasil. Esta área do conhecimento histórico tem se ampliado nas últimas décadas, a partir da crise paradigmática e das contribuijoes dos marxistas británicos, e já nao se limita ao trabalhador fabril, englobando trabalhadores sem trabalho, trabalhadores sem salário, e outros mais que emergem, da realidade, para a compreensao teórica. É nesta ampliajao que vimos oportunidade de realizar um novo olhar para a experiencia docente, sob a luz da centralidade do trabalho e, com isso, contribuir dialeticamente para tal ampliajao pois, ao menos na historiografía brasileira, os professores
* Brasil. Professora Adjunta na UFMS, Campo Grande-MS; Doutora em História pela UFGD. [email protected]
1 A escolha de Andradina como municipio para a realizajao da pesquisa se deu em funjao da exequibilidade da coleta de entrevistas, sendo devidamente contextualizada no decurso da escrita da tese, tendo em vista as especificidades que a distanciam e a aproximam das diferentes faces da realidade da SEE-SP, sem que elas pudessem gerar discrepáncias determinantes nas análises produzidas. Por nao se tratar de uma capital ou grande centro urbano, entendemos que os professores entrevistados nao experimentam situajoes peculiares a estes contextos, todavia, a pesquisa bibliográfica e teórica buscou dar conta das possiveis variajoes ou mesmo do entendimento que as diferentes faces da realidade paulista nao superam a necessidade e capacidade de levantamentos considerados gerais em localidades particulares. Nisso, os jogos de escalas, a dialética e a dimensao da totalidade tornam-se fundamentais na composijao das análises. Destaca-se ainda que a rede estadual possui mais de 230 mil professores distribuidos em mais de cinco mil escolas. Em 2013 os dados da SEE-SP apontavam que as seis escolas estaduais de Andradina (cinco urbanas e uma rural) possuiam cerca de 200 docentes e atendiam um total de 4.460 alunos. Apesar do pequeno porte, o municipio constitui-se como polo regional, inclusive na perspectiva da educajao pública estadual, pois sedia uma Diretoria Regional de qq
Ensino englobando outros dez municipios. No ámbito institucional, a Diretoria Regional de Ensino de qq
Andradina constitui-se como a representante legitima da SEE-SP e, portanto, a compreendemos como um importante pilar do contexto politico institucional. Criada pela Lei n° 5044/58 e instalada no municipio em «
janeiro de 1959, hoje ela é responsável por 23 escolas distribuidas em 11 municipios, com 1017 professores J^
no seu total, segundo dados do Departamento de Recursos Humanos do Estado (DRHU), em 2013. ¡^
foram relegados ao campo temático do "ensino de história" e, raramente, vistos como trabalhadores 2
Observamos que as pesquisas da área da Educajao acerca do trabalho docente compreendem uma ampla discussao acerca da natureza do trabalho do professor. Nesse debate, a natureza intelectual do trabalho docente nao assegura ao trabalhador á sua percepjao de explorado e proletarizado, tendo em vista sua característica histórica, desde os tempos da antiguidade, onde os professores eram, inclusive, escravos, mas considerados privilegiados por nao exercerem servijos brajais (MANACORDA, 1996). Outra característica do trabalho docente que baliza este debate é a de trabalhador 'improdutivo', na contemporaneidade, isto é, aquele que nao produz mercadorias e mais-valia. Todavia, amparados nos trabalhos de Frigotto e Nicanor Sá, compreendemos que a lógica do capital entranhou-se á escola, inclusive nas formas de divisao e organizajao do trabalho pedagógico, separando o professor da produjao do conhecimento e resultando em proletarizajao. Isto é, a perda da autonomia é uma característica que se aprofundou no processo do trabalho docente, propiciando, ainda, a alienajao. Além disso, a escola, ao servir á reprodujao do capital na formajao da classe trabalhadora para tal, engendra seu papel na totalidade como parte importante da engrenagem capital, obtendo isso por meio de, entre outras coisas, o trabalho docente. Neste sentido, a pesquisa partiu fundamentalmente da ideia de que o professor é, numa perspectiva de classe social, um trabalhador, tal como os demais trabalhadores da contemporaneidade, mas em virtude de características históricas e imbróglios ainda recentes, nao é tratado como tal, nem pela sociedade, pela ciencia, e nem por si mesmo.
As visoes, representajoes e idealizajoes acerca do professor tem dificultado reflexoes que o possibilitem pensar sua categoria como fundamentalmente profissional e histórica. Há uma gama de características que se colocam para a atividade docente, centradas principalmente nos aspectos do ensino e aprendizagem, mas para nós, a docencia é essencialmente trabalho, no sentido produtivo, reconhecido e remunerado como tal, e entendemos que o caleidoscopio identitário que caracteriza o 'fazer-se' docente é um dos empecilhos á compreensao da dimensao do trabalho docente como central, dentro dos contextos do mundo do trabalho e do modo de produjao. Urge, portanto, buscarmos os professores como sujeitos do trabalho, o que acreditamos ter iniciado com nossa pesquisa de doutorado. Nela, observamos como a precarizajao se engendrou materialmente, a partir de categorias como salários, jornadas e contratos. Somamos a esse tripé histórico as atuais políticas que consideramos piorar as condijoes de trabalho docente, como bonificajao por resultados, além da violencia e das consequencias na saúde do professor. Além disso, observamos que, a despeito da tradicional resistencia docente, com suas históricas organizajoes de greves, a precarizajao se expressa por uma crise de mobilizajao, e é este o tema que viemos aprofundar aqui, neste texto.
Entendemos ainda a categoria docente como uma categoria profissional em luta. Poderíamos discorrer amplamente sobre o conceito de resistencia e suas ampliajoes, qq
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Esta tese foi explanada e pode ser compreendida a partir da leitura de OLIVEIRA (2016), onde desenvolvemos uma análise historiográfica acerca do professor como sujeito do trabalho no Brasil. ¡^
todavia, nossa afirmajao se justifica e se exemplifica pela existencia e continuidade de greves docentes no pais e na SEE-SP. E nao raro, na eclosao de greves e manifestajoes de professores, o que se observa é que muitos setores da sociedade apoiam a categoría, nao obstante a invisibilidade destes movimentos nas grandes midias. Há um certo consenso de que o professorado tem, como grave problema, a questao salarial, simbolo explicito da precarizajao de onde decorrem outros males que compoem este cenário nebuloso, como a ampliajao da carga horária, intensificajao do trabalho docente, instabilidade, violencia e morbidade. Nestes momentos, a questao salarial fica latente também porque se caracteriza como instrumento importante da disputa contra o Estado, no rol de 'exigencias' elencado pelo movimento.
Neste sentido, vale destacar que, historicamente, a resistencia docente tem se elevado a patamares mais abrangentes. Ferreira Junior e Bittar nos colocam que a luta docente dos anos 1970 atingiu uma consciencia mais notadamente politica resultando em uma espécie de compromisso histórico que passaria a acompanhar a identidade docente:
O comportamento social que caracterizava os movimentos grevistas da categoria dos professores públicos estaduais de 1° e 2° graus, no final da década de 1970, era do tipo que já engendrava uma consciencia da solidariedade de interesses gestada entre todos os membros do grupo social e que questionava, ainda que do ponto de vista económico, as bases juridicas do Estado ditatorial brasileiro. Provavelmente, apenas as vanguardas da categoria, em unidades federativas como Sao Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Pernambuco, tinham atingido o terceiro momento descrito por Gramsci, isto é, a fase mais abertamente politica; e alcanjado, portanto, o amadurecimento social necessário para criar as condijSes organizativas e de direjao politica para as lutas levadas a cabo pelos professores nacionalmente (FERREIRA JR e BITTAR, 2006: 1167-1168).
Essa consciencia politica que fundamentava os movimentos grevistas a partir dos anos 1970 perpassou a questao da democracia, compreensivel pela conjuntura politica ditatorial da época em que emergiu, somando-se á questao da ampliajao do acesso ao ensino para as camadas populares de maneira qualificada, pois a expansao do ensino foi produzida de forma eminentemente quantitativa, além das estruturas de gestao do sistema escolar, notadamente antidemocráticas, acentuando-se nas politicas públicas educacionais. Nesse sentido, é possivel visualizar os movimentos docentes emergentes no regime militar como amparados em lutas que se ramificavam entre a questao material (salário e condijoes de trabalho), e uma luta politico-pedagógica. Nos anos 1980, a professora Angelina Teixeira Peralva, ao fazer um balanjo das lutas docentes, salientou que:
A luta salarial é muito mais importante, sem dúvida, mesmo porque, se o professor da rede pública é tao mal pago, é justamente por servir a uma camada desfavorecida da populajao. A luta pedagógica e a luta pela democratizajao da estrutura de poder sao fundamentais, porque redefinem o destino social do conhecimento e as bases do seu controle. É também fundamental que alunos e pais de alunos sejam associados a essa luta e, nesse ámbito, os professores tem em maos um outro poder, que é o de abrir as escolas (e o universo escolar, com
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seus códigos próprios) a uma populajao que tem procurado garantir, nos bairros populares, o seu direito de acesso á educajao. Na capacidade de contrapor uma alternativa á política educacional dominante que, de diversas maneiras, tem reduzido o professor no Brasil a desempenhar um papel de agente do fracasso escolar, situa-se provavelmente o mais alto significado histórico possível do atual movimento dos professores da rede pública (PERALVA, 1988: 66).
Pelos trechos acima expostos, poderíamos considerar que a categoria docente encontra-se fortemente unificada nas lutas por melhorias materiais e na incessante busca pela qualificajao da oferta de ensino público no país. No entanto, essa aparente coesao da organizajao social docente parece ter adentrado á crise representativa que o próprio capitalismo neoliberal provoca, ao fragmentar a carreira, constituir exército de reserva de mao de obra e impor metas e disputas individuais. Com isso, a resistencia docente constituiu-se, para nossa pesquisa, como a 'questao da resistencia', por suas interfaces com a precarizajao e o sofrimento docente.
Além disso, outra análise ainda vem problematizar a questao da consciencia social dentro da categoría docente, como fragmentada também por gerajao e origem social. Segundo esta abordagem, os professores primários e secundários constituíam, á época da emergencia dos novos movimentos sociais e sindicais, duas gerajoes diferenciadas por sua origem social. A primeira gerajao, que ingressou antes ou nos idos dos anos 1970, era constituída de uma camada privilegiada da sociedade, oriunda da burguesia e das classes médias altas, e que sentiu gravemente o processo de proletarizajao e empobrecimento docente. Esta gerajao impulsionaria os movimentos docentes sindicais, motivada pelo inventário de perdas e condijoes de trabalho decorrentes do arrocho salarial e das reformas operadas desde o regime militar.
Aponta-se, entao, uma dificuldade de mobilizajao dada no choque com uma segunda gerajao docente, posterior a 1970 e oriunda das classes populares, anteriormente excluídas do ensino superior, beneficiárias da relativa democratizajao do acesso a este nível de ensino, sobretudo dos cursos de licenciaturas curtas e noturnas, em faculdades integradas pulverizadas pelo interior do Estado, a partir das reformas que impulsionaram o ensino superior privado e a baixos custos. Para esses sujeitos, tornar-se professor era ascender socialmente e, inclusive, em termos materiais. Segundo Abramo:
A segunda vertente de formajao social do moderno magistério origina-se no
processo de massificajao escolar inegável nessas últimas duas ou tres décadas.
[...] Essa segunda parte, através de um processo de mobilidade social, vertical
ascendente, provém de camadas realmente populares, ou de camadas de classe
média baixa. [...] Essa segunda [gerajao] - para quem ser professor significa
quase o apogeu na escala de ascensao social - passa a ter, diante dos problemas
da educajao e dos problemas da sua corporajao profissional, uma atitude
bastante diferente da primeira, que se proletarizou no trabalho. A segunda
camada, que talvez hoje, em certos centros urbanos do país, constitua a maioria, CN
tem-se mostrado, de certa forma, conservadora e pouco afeita á luta por
modificajSes e transformajSes na educajao e na sociedade (ABRAMO, 1986, pp. 78-79).
Carlos Bauer, em seu "A classe operária vai ao campus" (2010) coaduna com a visao de Abramo, ao argumentar que a origem operária dos professores formados nas últimas décadas provoca uma intensificajao do processo de cooptajao dos docentes á ideologia hegemónica burguesa em funjao da ideia de ascensao social que a categoria engendra face á sua origem de classe. Para este autor, ao adentrarem ao grupo de profissionais cujo oficio demanda o ensino superior, inacessivel anteriormente á classe operária, os professores tornam-se icones da mudanja social em suas familias e comunidades e reafirmam o ideário meritocrático imposto pela performance neoliberal, dificultando, entre outras coisas, a mobilizajao coletiva da categoria.
Mas há, aqui, uma contradijao a ser destacada. Quando Perseu Abramo sugere o choque entre as gerajoes docentes por sua origem social ele afirma, em outras palavras, que a primeira gerajao, originária (no caso do Brasil) das classes médias, tornar-se-ia a vanguarda da luta sindical, em funjao de que esta havia perdido status e condijoes materiais, enquanto a segunda gerajao, pós-1970, ao ingressar na carreira, havia ganhado status e condijoes materiais, em relajao á sua origem social popular. Isto seria um nó para a tessitura de relajoes de resistencia. É contraditório dizer que será o grupo de origem burguesa o mais combativo em detrimento daquele, cuja história social se alinha á tradijao da luta de classes, embora nem tanto no Brasil. Destaca-se ainda que esta primeira gerajao foi profundamente marcada pelo processo de inserjao das mulheres normalistas no magistério (feminizajao do trabalho docente), em muito ainda desprovidas do ensino superior. No entanto, Hypolito lembra que nao se pode perder de vista as contradijoes, especificidades e os movimentos que constituem essa categoria social, pois apesar de considerar a categoria docente como parte integrante da classe trabalhadora, ressalta as profundas marcas ideológicas e culturais que a caracterizam e que demonstramos brevemente no inicio deste texto. Para ele "esses possíveis movimentos internos podem estar revelando um coletivo em formajao, em luta para se constituir parte da classe trabalhadora, mas que vive uma situajao de identidade social contraditória". (HYPOLITO, 1997: 79).
Na direjao destas reflexoes, encontram-se os argumentos que justificam as dificuldades de mobilizajao politica docente aos resultados somados e engendrados ainda do próprio contexto de formajao docente, uma vez que a pulverizajao das faculdades noturnas de licenciaturas curtas e privadas, a partir dos anos 1970, assumiria o papel de aceleradora da formajao docente inicial (para garantir mao de obra ao mercado em expansao) em uma perspectiva também precarizada, destituida de um corpo teórico e formajao politica. Estas últimas ficariam vinculadas mais ás universidades públicas, concentradas principalmente nos programas de pós-graduajao strictu sensu, ainda inacessiveis ao corpo docente nacional. Os professores sofrem da precarizajao antes mesmo de adentrarem ao mundo do trabalho docente, pois seus processos de formajao
inicial já estao profundamente marcados pela lógica capitalista do mercado, dificultando, ^ entre outras coisas, uma atuajao politica reflexiva. E&
Nao obstante, Ferreira e Bittar (2006) acreditam que a categoría, enquanto ente coletivo, herdou uma tradijao combativa que a caracteriza e que se manifesta na continuidade da luta, explicitada (e muitas vezes construída) nas greves. Mas as dificuldades de mobilizajao na categoria existem, e tanto podem estar influenciadas por tais questoes, como também se configurar numa multiplicidade de fatores, que se somam e corroboram com a precarizajao em uma perspectiva estrutural e estruturante, além de elementos que caracterizam a categoría por esta também ser numericamente gigantesca e diversa3. Nesta perspectiva, vale destacar que, no Estado de Sao Paulo, a categoria já teve dois sindicatos representativos, o CPP (Centro do Professorado Paulista) e a APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de Sao Paulo).
1. Historia dos movimentos docentes na SEE-SP
O CPP foi criado em 1930 constituindo-se como representante legítimo dos professores paulistas, sobretudo os professores primários, com promojao de atividades recreativas e unidades de assistencia aos docentes (VICENTINI e LUGLI, 2009: 124). Apesar de um caráter amplamente assistencialista, a associajao orientou campanhas salariais, apoiou a luta docente e abrajou a primeira greve da categoria, em 1963 (PEREIRA, 1969: 180). Hoje, o CPP está vinculado aos professores das centenas de redes municipais, em virtude do nível de ensino que ele abrange representar.
Em 1945, surgiu a APEOESP 4, como associajao, para lutar contra problemas específicos do magistério secundário. Um grupo de trabalho eleito no congresso de sua criajao ficou responsável pela elaborajao do estatuto da nova entidade, seguido pela eleijao da sua primeira diretoria. Foram criadas duas instancias deliberativas, (Assembleia Geral Ordinária e Congresso) ambas anuais, e a diretoria também era eleita anualmente, compreendendo um início de considerável participajao entre professores e dirigentes que, "enxergavam na nova associa9ao, o mecanismo para influenciar em decisoes governamentais no ámbito educacional, a fim de verem solucionadas suas reivindicajoes corporativas" (KAPOR, 2012: 1105). Mas seu início foi marcado pela heterogeneidade e por conflitos internos deflagrados sobretudo mediante ás exigencias de parte da categoria em relajao á realizajao de concursos públicos pelo governo, o que desagradava parte do professorado (chamados interinos).
A Associajao teve cunhada a característica de assistencialista e até governista. Mas vale destacar que seu nascimento, datado de 1945, ajuda a compreender um pouco da característica apontada aqui. Nascida no final do Estado Novo, a APEOESP conviveu por muitos anos com a heranja do espectro sindical deste período da história brasileira, em que
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Na SEE-SP, segundo os dados oficiáis, já somam hoje mais de 230 mil professores distribuidos em mais de cinco mil escolas. Conforme http://www.educacao.sp.gov.br/portal/institucional/a-secretaria/ Acessado em
/09/04/2014. ^
4 Quando fundada, sua denominaçao era APESNOESP (Associaçâo dos Professores do Ensino Secundário e &
Normal do Estado de Sao Paulo). Apenas em 1973, com a substituiçâo dos termos primário e secundário pelos J^
termos 1° e 2° graus, a entidade passou a ser chamada de APEOESP, nome que carrega até os dias atuais. ¡^
os sindicatos possuiam relajoes orgánicas com o Estado e este último tinha um controle considerável na sua gestao (ANTUNES, 1996). Embora o sindicalismo docente tenha suas trajetórias peculiares, o contexto sindical constituido na Era Vargas, até o golpe militar de 1964 (antes da emergencia do chamado Novo Sindicalismo) nao deixou de ser uma atmosfera da qual a entidade também respirava. Além disso, a associajao nao tinha estatuto de sindicato pois, á época, era proibida a sindicalizajao de funcionários públicos 5. A APEOESP surgiu no final deste ciclo politico, num momento de transijao, mas que ainda carregava fortes caracteristicas da fase que seria superada na própria experiencia combativa da luta sindical que se seguiria décadas seguintes.
Segundo Tatiana Kapor, que estudou a entidade em seus primeiros anos de atuajao, nos anos 1950, a associajao se preocupava com as irregularidades que marcavam os pagamentos das aulas extras, atrasos salariais, ausencia de reajustes e o inicio da expansao da oferta de ensino que já apontava descompromisso com a qualidade. No entanto, ao contrário de outros sindicatos operários naquele momento, a APEOESP, por meio de seus dirigentes, mantinha afastadas as perspectivas de realizajao de greve. Apenas em 1963, após consecutivas derrotas em suas reivindicajoes e por pressoes que incluiam o sindicato dos professores primários, o CPP, a APEOESP concordou em apoiar o movimento grevista que se engendrava entre os professores, tanto primários quanto secundários, conforme a autora:
Os ataques do governador Ademar de Barros se intensificou contra os professores grevistas. Tentativas de ligar a imagem do professor ao profissional que nao cumpre sua missao foram feitas. A tentativa era acabar com a greve que atingia praticamente a totalidade das escolas. Em ámbito mais geral, divulgava-se nacionalmente que o pais caminhava pra uma desordem. Que existia uma invasao comunista, e comunistas infiltrados no magistério. Para conduzir a greve foram organizados dois comandos de greve, um dos professores secundários e outro dos professores primários, e ambos se organizavam no comando geral de greve que ficavam responsáveis por dirigir as passeatas e ajSes conjuntas. No dia 21 de outubro, os professores encerraram a greve após negociajSes com o governo, as conquistas foram de gratificajao de 60% aos professores primários da ativa e os aposentados, 25% de gratificajao aos docentes secundários, integrajao das aulas extraordinárias á aposentadoria e redujao da jornada de 18 para 15 aulas semanais (KAPOR, 2012: 1112).
Mas em funjao da resistencia em apoiar o movimento, a greve de 1963 tem sido históricamente 'apadrinhada' pelo CPP, e a APEOESP nao a considera como parte da sua história de organizajao grevista. Os anos 1970 foram marcados pela agressividade do regime militar frente ás associajoes politicas, com isso, a entidade adentrou em um periodo
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Após a Constituijao de 1988, passou a ser permitida a organizajao sindical do funcionalismo público e as antigas Associajoes tornaram-se sindicatos, em que pese muitas manterem as mesmas denominajoes. ¡^
de aparelhamento sindical e ao final dos anos 1970, era alvo de críticas ('peleguismo') 6, mas já abarcava uma grande quantidade de associados tendo em vista a expansao do ensino secundário. Com as greves deflagradas em 1978 e 1979, após intensas disputas internas, a associajao passou por mudanjas direcionais, pressionada para que se posicionasse politicamente á esquerda e se aproximasse do movimento operário. Segundo Rosário Lugli, "a partir daí, surgiu no discurso dos professores uma polarizajao: APEOESP á esquerda e CPP á direita no espectro político" (LUGLI, 1997: 79).
Assim, a década de 1980 marcou a consolidajao da APEOESP como representante dos professores da SEE-SP, processo favorecido, por um lado, pela municipalizajao do ensino primário no Estado, o que afastou definitivamente o CPP da representajao dos professores estaduais e as dicotomias intrínsecas nas suas relajoes com a APEOESP 7. Por outro lado, a própria associajao cresceu politicamente, na articulajao de greves e congressos, o que compreendeu o fortalecimento político da representatividade da categoria.
A entidade tornou-se sindicato em 1988, ligado á Central Única de Trabalhadores, CUT, na mesma década em que liderou cerca de cinco greves dentre as quais, em 1989, a maior da história da categoría até entao, com 80 dias de paralisajao. Nos anos 1990, foram quatro greves (1992, 1993, 1995 e 1998) e, na década de 2000, duas greves (2008 e 2010), nos últimos anos, destacam-se as greves de 2013 e mais recentemente, em 2015. Com excejao dos primeiros anos do século XXI, a categoria construiu um histórico intenso de greves que se alternam em média a cada dois anos, e sobre isso vale lembrar que, no Brasil, embrenhados pela emergencia do PT ao poder federal em 2003, os sindicatos e movimentos conheceram, contraditoriamente, um congelamento atitudinal frente a um devir marcado de esperanjas que se pronunciavam nas perspectivas políticas nacionais que, contudo, nao se concretizaram.
A anomia temporaria dos movimentos sindicais caracterizou o primeiro governo de Lula e vale dizer, é ainda um processo em profunda remodelajao. Andréia Galvao nos lembra de que este processo esteve vinculado, primordialmente, pela aproximajao entre a maior central sindical do Brasil á época - a CUT -, e o partido. A autora, inclusive, contextualizou e justificou sua afirmajao, exemplificando:
6 De acordo com D'Araujo, "Peleguismo tornou-se um termo de cunho depreciativo, que designa uma ajao conciliatória de representantes sindicais tendo em vista amenizar os atritos entre capital e trabalho" (D'ARAUJO, 2010: 231). Conforme Paula Perin Vicentine, as greves ocorridas no final dos anos 1970 foram deflagradas á revelia da APEOESP pois a Associajao encontrava-se, á época, distanciada das bases e das suas lutas, e próxima ao Estado. Assim, os Comandos de Greves de 1978 e 1979 romperam com as lideranjas da APEOESP acusando-as de "peleguismo". Sobre isso, ler VICENTINI, Paula Perin. A profissao docente no Brasil do século XX: sindicalizajao e movimentos. In BASTOS, Maria Helena Camara & STHEFANOU, Maria (org.) Historias e Memorias da Educagao no Brasil - século XX. Petrópolis: Vozes, 2005: 336-346.
7 Mais fortemente a partir de meados dos anos 1990, a SEE-SP, comportando-se coerentemente com o processo neoliberal de descentralizajao do servijo público, passou toda a rede do ensino primário (atualmente q^ Pré-Escolar e Fundamental I) ás maos dos municipios paulistas. Tal processo gerou nova fragmentajao da categoria docente e parte dela ficou sob condigao contratual de "adida" (emprestada), do Estado ao « Município, sem contudo gozar dos mesmos direitos ou beneficios já que cada sistema ou município possui J^ seus códigos e planos de carreiras próprios. ¡^
A situajao é completamente diferente num governo que a CUT considera seu aliado: a proximidade entre a central e o partido afastou a CUT de manifestajoes e criticas ao governo, mesmo quando este ameaja direitos dos trabalhadores. Isso fica claro quando se observa a posijao que a central assumiu em relajao á reforma da previdencia, implementada em 2003. Essa reforma gerou grande insatisfajao nos servidores públicos, contrários á taxajao dos inativos, ao fim da aposentadoria integral e da paridade entre ativos e inativos, bem como á criajao de fundos de pensao. Embora a cúpula da central criticasse alguns pontos da reforma, como a taxajao dos inativos, e fosse favorável a um beneficio de valor mais elevado e a uma previdencia complementar pública, procurou preservar o governo de qualquer desgaste, opondo-se á greve que havia sido convocada por entidades de servidores, muitas delas ligadas á CUT, e defendendo, em seu lugar, a negociajao dos pontos polémicos (GALVÁO, 2009, p. 182).
Nao obstante, cumpre salientar que as greves também nao sao as únicas formas de mobilizajao politica do sindicato. A agenda histórica da APEOESP é marcada por forte dinamismo. Os congressos sao anuais, com grande presenja das centenas de delegados representantes, as campanhas salaríais também, e assembleias, ajoes judiciais unificadas, atos públicos, mobilizajoes que demandam caravanas que saem de todo o interior do
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Estado para somar aos professores em frente á sede da SEE-SP sao recorrentes .
Contra a consolidajao e ajao politica do sindicato, que desde o final dos 1970 se revelava extremamente politizado (nao se limitando ás demandas materiais docentes, mas, inclusive, interferindo na pauta social paulista e brasileira, como o apoio á Reforma Agrária e, sobretudo á Escola Pública de qualidade) esteve o governo estadual geralmente conservador e autoritário, com raras excejoes. No inicio dos anos 1980, por exemplo, o governo de Paulo Maluf tentou asfixiar materialmente a entidade, retirando o desconto sindical da folha de pagamento, retomado de fato apenas no governo Franco Montouro. Este quadro piorou, no entanto, na emergencia dos governos de explicito ideário neoliberal, ainda em pleno vigor no governo paulista. Desde a ascensao de Covas as medidas de boicote á ajao sindical podem ser notadas:
Deve-se salientar que a SEE e o governo buscaram desestruturar o sindicato e enfraquece-lo frente á comunidade escolar e á populajao em geral. O governo permaneceu inflexivel ás negociajoes com o sindicato durante toda a gestao. Nao foi incomum a SEE utilizar-se da imprensa para informar importantes medidas que interferiam na vida escolar, anulando a APEOESP como interlocutora da categoria. Além disso, desferiu ajoes que atingiram as bases de organizajao do sindicato. Conquista da APEOESP durante o governo Montoro, a participajao dos professores em atividades sindicais como encontros, seminários, reunioes de representantes de escola, eleijoes do sindicato, entre
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Neste item, vale a pena consultar um histórico de ajoes e conquistas produzido pelo próprio sindicato, disponivel em http://www.APEOESP.org.br/o-sindicato/historia/ ¡^
outras, nao constavam como faltas. Em 1996, a SEE nega o abono de ponto aos professores durante as eleijoes gerais da entidade, que ocorreriam, desde entao, com urnas volantes. (GOULART, 2004: 174).
Na dinámica política e social em que estamos engendrados desde os anos 1990, urge destacar o vigor da APEOESP como dinámica e forte, dentro da teia associativista da sociedade civil organizada, ainda que seja preciso admitir a oscilajao do papel político e representativo do sindicato como uma marca nas relajoes trabalhistas dentro da SEE-SP e outras instituijoes. Há um quadro de tensoes e desmobilizajao, pautado ainda em disputas internas e crises de representatividade. Há, por exemplo, inúmeras discussoes quanto á legitimidade dos conceitos e preceitos educacionais pensados em ámbito sindical pelos próprios associados, já que as lutas da APEOESP, enquanto sindicato de profissionais da educajao, carregam, no bojo dos compromissos políticos, as dimensoes educativas intrínsecas ao escopo profissional dos trabalhadores que a compoem e que por ela sao representados. Reni Gomes da Silva, ao estudar estes embates, critica as posijoes do interior do sindicato que defendem a atuajao da APEOESP como restrita ao universo das condijoes materiais de trabalho e dos direitos trabalhistas, e lembra que o compromisso por uma educajao pública de qualidade deve estar acima de todas as prioridades sindicais (SILVA, 2008).
Além disso, para nao nos furtarmos ao nosso olhar empírico, precisamos lembrar que o sindicato, apesar de se constituir como um dos maiores do Brasil, do ponto de vista numérico (e em proporjao ao território que atua) 9, nao contempla a totalidade dos professores da rede estadual paulista. Muitos milhares de docentes, sobretudo ingressantes, nao sao sindicalizados. Isto nao significa dizer, a priori, que estao á direita do processo de lutas docentes no Estado de Sao Paulo, até porque as relajoes entre a sindicalizajao e a militáncia política ou social nao sao automáticas, diretas ou óbvias, apesar da história do sindicalismo brasileiro estar vinculada ao movimento operário em suas mais diversas fases e, sobretudo, no pós-1964, com a emergencia discursiva e prática do sindicalismo combativo denominado de Novo Sindicalismo 10. Entendemos que o engajamento preconiza nao apenas a ligajao concreta do trabalhador á sua categoria (perpassada pelas relajoes de emprego), ou ainda uma consciencia social abstrata, mas também o sentimento de pertenja e identidade, bem como as condijoes objetivas que possibilitam essa identidade.
Atualmente a APEOESP possui cerca de 180 mil sócios, de um total de 230 mil servidores da categoría, tem sua sede central na Capital, Sao Paulo, e está representada em 93 regioes do Estado onde mantém subsedes -10 na Capital, 17 na Grande Sao Paulo e 66 no Interior, incluindo uma em Andradina-SP. Nao é possível, todavia, afirmar ser, ou nao, o maior sindicato do Brasil, tendo em vistas outras varáveis, como as relajoes entre categorías federais (sindicatos de policiais federais e bancários), suas composijoes e unioes entre sindicatos estaduais e até locais, fazendo variar a representatividade em número e abrangencia territorial. 10 Os percursos discursivos e aproximajoes políticas do sindicalismo brasileiro, inclusive do Novo Sindicalismo, e suas relajoes com a esquerda nacional, podem ser compreendidos através do texto de SANTANA, Marco Aurélio. Entre a ruptura e a continuidade: visoes da história do movimento sindical brasileiro. Rev. bras. Ci. Soc., Sao Paulo , v. 14, n. 41, p. 103-120, Out. 1999.
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Face às políticas contratuais de cunho neoliberal, o corpo docente da SEE-SP é marcado por fraturas e fragmentaçôes contratuais importantes, com expressivo número de professores nao efetivos, sem estabilidade e contratados temporariamente e que, em grande parte, nao estao ligados ao sindicato (FERNANDES, 2010: 102). Isto também nao significa dizer que nao se sintam representados por ele. Neste momento, é possível dizer, pelo menos, que ambos os grupos sofrem os reflexos da incessante precarizaçao do trabalho, vivenciam e experimentam o mal-estar docente, adoecem e retornam à labuta, e estao em luta, nas suas mais diversas faces, seja ela sindical, organizada, seja ela cotidiana, na incansável tentativa de fazer valer, ainda que em sala de aula ou pelos corredores, velhos compromissos. Vejamos como isso se manifesta do ponto de vista empírico.
2. A resistencia docente entre os professores de Andradina - SP
Do ponto de vista histórico, em relaçao às memorias dos professores aposentados, a questao da resistência aparece bastante difusa. Ainda, cabe dizer, com exceçao de um professor (Benedito), as duas professoras (Marisa e Maria do Carmo) se aposentaram em 1985, antes mesmo das associaçôes conquistarem a condiçao de sindicatos. Os professores Marisa e Benedito foram, e ainda sao, filiados à Apeoesp, apesar deste último afirmar "Infelizmente eu sou associado à Apeoesp. Eu digo infelizmente porque eu nao concordo com o que eles estao fazendo com a educaçao". Já a professora Maria do Carmo é vinculada ao CPP, mas afirmou que se filiou depois da aposentadoria, para gozar dos serviços oferecidos na cidade onde reside atualmente, Sao José do Rio Preto - SP. As duas professoras afirmaram ter participado de greves, e o professor Benedito sentenciou: "Nunca participei de greve nenhuma. Sou meio conservador, meio direitista".
Para a professora Marisa, a greve era o meio pelo qual se podia, naquele tempo, lutar para a melhoria das condiçôes salariais, ainda que já percebesse, no movimento, a questao da unidade da categoría. Ela afirma ter participado de várias greves e lembra como eram os movimentos:
Olha, era bem, assim, organizadas. A gente ia na escola, muitas vezes ficava lá, sem o aluno, né, mas a gente fazia a hora lá, o tempo né, e nos reuníamos né, pra debater, e muitos professores nao queriam participar, né, a gente sempre teve uma falta de... coleguismo, seria? Uma falta de cabeça assim, de idealismo de classe, foi bem difícil isso eu acho, mas eu achei que valia a pena, porque era a única forma né, da gente receber um aumentozinho, alguma coisa.
A professora Maria do Carmo, por sua vez, demonstrou constrangimento ao rememorar sua participaçao em greves, de modo que seu depoimento parece sempre oscilar entre a vergonha e o orgulho de ter experimentado isso:
Ah nao, isso eu nao vou contar nao (risos). Ah, mas foi muito divertido, só que eu nao me lembro que época que foi e nem o governo que foi, só me lembro que foi por causa do Maluf. Ele nao era governador mais, ele já tinha saido, mas eu nao sei o porque, a ... ai nao vou citar o nome, a secretária: "Maria, voce já tá
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pra aposentar, nâo faça isso, vai te atrapalhar!" Eu falei: "Nâo, eu quero aposentar com o meu salário justo, vou entrar sim!" Eu fui distribuir panfletinhos lá naquela praça. Certeza que falaram "ah essa velha aí..., tá na hora de aposentar e ainda tá distribuindo papelzinho aqui pra nós". Mas é...(...) É, melhoria salarial. Eu nâo me lembro, pra você ver como é que minha cabeça tá ruim, eu me lembro que era eu e uma outra colega, eu falava "vamos ficar nós duas juntas, porque nós já estamos na hora de aposentar, e a gente fica um pouco, vamos dar força pra essa turma, que tá mais fraca né, tá começando agora". Entáo todo mundo se animava, porque, "nossa, vocês vâo, entâo nós vamos também". E isso foi bom, pra mim foi bom (...) Ah, isso aí eu nâo podia contar né (risos) (...) O que eu me lembro, ah eu nâo me lembro assim de falatório, eu me lembro só da distribuiçâo de papeis. Eu falei, "meu Deus, as crianças em casa e eu aqui na rua, andando sem fazer nada, e podia tá em casa né... (risos) e sem aula, e depois a gente teve que repor as aulas. Eu nâo repunha né, porque eu falei, fiquei em greve e isso é greve, eu ia lá, porque tinha que voltar e dar aula, eu voltava e falava pros alunos "vocês nâo venham, porque se vocês nâo tiverem aqui eu nâo posso dar aula", entâo os alunos nâo iam também.
As professoras nao rememoraram os temas presentes nos referidos debates, ou 'falatórios', mas salientaram a questao salarial como motivadora para a participajao no movimento. Também podemos destacar que a professora Maria do Carmo sugeriu ter sido constrangida a nao participar. Isso nos leva a crer que, vinculadas ao ensino primário em toda a sua dimensao de docilidade propagada, estas professoras experimentaram o enfrentamento. Nao nos cabe aqui medir o nível de conscientizajao social de suas participajoes em greves, mas reforjar um certo pioneirismo feminino e político daquelas que, levadas ao magistério em funjao de suas condijoes sociais e sexuais, de genero, no que concerne á divisao do trabalho, as professoras que aqui se colocaram, novamente em uma situajao de exposijao, protagonizaram situajoes de enfrentamento, de expressoes agudas das lutas sociais, tal como concebemos a greve.
Ainda, a negativa da participajao em greves por parte do professor Benedito nao nos apontou uma enorme contradijao. Sua clareza ao se referir ao posicionamento político é imensamente explicativa, do mesmo modo que as professoras justificaram sua participajao por causa dos salários. Hoje, nos parece, muitas outras questoes se interpoem á participajao dos professores nos movimentos de paralisajao e greves.
No que tange ao cenário atual, entre os professores em atividade na SEE-SP em Andradina, sobre representajao trabalhista e resistencia, obtivemos o seguinte gráfico:
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Gráfico 1) Sobre representará o e resistencia -Professores Estaduais de Andradina
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Total É Vé o sindicato Já participou Acredita na
sindicalizado como de greve greve como (Apeoesp) representante melhor
trabalhista instrumento de
reivindicacao
Os professores das escolas estaduais de Andradina manifestaram empiricamente o que observamos na pesquisa bibliográfica, do ponto de vista da crise de representatividade da categoria, nao obstante envolver um dos maiores sindicatos da América Latina 11. Isto é, apesar da maioria dos professores ser sindicalizada, perfazendo 60% dos docentes, apenas 41% entende o sindicato como instrumento legítimo de representajao dos trabalhadores docentes.
Evidentemente, muitas podem ser as variáveis desta conjuntura, no sentido de expansao ou retrajao destas estatísticas, a depender dos contextos em que se situam nossa análise, seja em relajao a outros sindicatos ou categorias, seja no que tange a circunstancias em que estejamos a observar tais relajoes, pois estes números podem, eventualmente, variar após uma greve mal sucedida, ou após um grande concurso público com a adesao de novos trabalhadores. Cabe salientar, todavia, que entendemos que os resultados alcanjados de forma empírica difícilmente estariam invertidos em sentido, pois expressam ainda a conjuntura geral deste inicio do século XXI, de atmosfera marcada por políticas neoliberais a endossar a flexibilizajao produtiva e, no caso paulista, com um governo estadual reconhecidamente entusiasta de tais políticas. O ideário neoliberal paulista reflete tendencias mundiais e baliza discursos "empreendedoristas e anti-sindicáis", que legitimam a retirada de direitos conquistados e repressao ás lutas e manifestajoes de trabalhadores. Neste sentido, e porque nao nos preocupamos demasiadamente com pequenas variajoes quantitativas, mas com tendencias, consideramos que as respostas docentes confirmam nossas hipóteses de refluxo da importancia do sindicato como espajo de luta e representajao política do trabalhador neste contexto neoliberal.
Nesta direjao, 42 professores indicaram outras funjoes como primeiras dos sindicatos (32,8%), doze afirmaram que sua principal importancia é a de oferecer melhores servijos que o Estado, entre eles o plano de saúde. Outros 21 professores assinalaram que o sindicato significa um custo desperdijado e nove indicaram que a APEOESP tem 'outras' funjoes importantes que nao a representajao trabalhista nem oferta de servijos. Ainda, 33 q professores se abstiveram nesta questao (8.1.3 do Questionário), a maioria porque O anteriormente assinalou que nao é sindicalizado.
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De acordo com a própria instituijao; In: http ://www. apeoesp. org.br/o -sindicato/missao/ ¡^
Neste sentido, dentre os 128 professores consultados, somam-se 48 nâo
sindicalizados (37,5%), dentre os quais nove afirmaram que já foram filiados a APEOESP,
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mas se desligaram. Ainda vale destacar que nem todos os 23 professores Categoría O estâo nesta lista de nâo sindicalizados, como pensávamos inicialmente. Os professores contratados temporariamente podem e têm se sindicalizado, ainda que de forma tímida. Dos 48 nâo sindicalizados, apenas 15 sâo Categoria O, isto é, oito professores sem nenhuma estabilidade estâo vinculados ao sindicato e seis deles o consideram importante para representaçâo trabalhista. Três professores nâo responderam acerca de serem (ou nâo), sindicalizados (Questâo 8.1 do Questionário).
Mas resistência nâo se resume à sindicalizaçâo. A despeito de serem, ou nâo, vinculados ao sindicato, ou de compreenderem, ou nâo, seu sindicato como legítima representaçâo trabalhista da categoria, a maioria dos professores das escolas estaduais de Andradina afirmaram já ter participado de greves e manifestaçôes. Entre os 128 professores, 86 disseram ter atuado em pelo menos uma greve durante a carreira (67,2%), frente a 38 docentes que informaram nunca ter se envolvido nestes eventos (29,6%). Aqui também foram três professores a nâo responderam a questâo (8.2 do Questionário).
Compreendemos as greves como experiências de classe, de luta dos trabalhadores, com uma carga histórica importante a oportunizar situaçôes coletivas que constroem consciência e solidariedade, pela uniâo e pelos antagonismos que nela se vislumbram. A greve tem sido, do ponto de vista histórico, o aporte de negociaçâo mais recorrente da categoria e portanto, tomamos aqui as relaçôes entre os sujeitos, o trabalho docente e as greves como um fio condutor para pensarmos o agir de classe entre os docentes, o fazer-se coletivo, de resistência, como afirmou Lenin ao discutir a importância dessas manifestaçôes:
Nos tempos atuais, pacíficos, o operário arrasta em silêncio sua carga. Nâo reclama ao patrâo, nâo reflete sobre sua situaçâo. Durante uma greve, o operário proclama em voz alta suas reivindicaçôes, lembra aos patrôes todos os atropelos de que tem sido vítima, proclama seus direitos, nâo pensa apenas em si ou no seu salário, mas pensa também em todos os seus companheiros que abandonaram o trabalho junto com ele e que defendem a causa operária sem medo das provocaçôes (LENIN, 1899, s/p)
A principio, algumas contradiçôes se expressam no que tange aos sentimentos docentes sobre tais movimentos, pois ora os sujeitos revelam uma vitalidade na prática de resistência por meio desse aporte, ora se manifestam contrariados e discordantes sobre o
12 A SEE-SP possui uma variedade de tipos contratuais para professores, entre elas, as mais comuns sao os professores Categoria A, efetivos concursados com estabilidade garantida em estatuto, e os professores Categoria O, contratados temporariamente por tempo determinado, com menos direitos trabalhistas e que cumprem interstícios contratuais de 40 a 200 dias inviabilizando a conquista da estabilidade jurídica contratual. Para melhor compreensao acerca das variedades contratuais da SEE-SP e o processo de ^^
flexibilizajao de contratos de trabalho, recomendamos: SANTOS, Edson Segamarshi. A situadlo funcional «
dos professores da rede estadual paulista: problemas de admissao, selejao e dos concursos públicos (1976- J^
2010). Tese (Doutorado em Educajao). Pontificia Universidade Católica de Sao Paulo. Sao Paulo, 2012. ¡^
fazer-se de greves e manifestaçôes e, veremos, na sequência, que a contradiçâo será uma categoría sempre presente nesta discussao, o que, para nós, enriquece o debate.
Apesar da maioria ter participado, apenas 58 professores afirmaram que concordam com as greves docentes como estratégia de reivindicaçâo (45,3%). Afirmamos que é contraditório porque há uma inversao na lógica da participaçâo e concordância com a greve. Dos 38 professores que informaram nunca ter participado de greves e manifestaçôes, apenas 11 discordam desse recurso como instrumento da luta trabalhista, isto é, mesmo nao tendo participado, 27 docentes acreditam na greve como melhor instrumento. Com isto, temos um aumento da relaçao de professores que, apesar de terem se engajado em greves e manifestaçôes, nao concordam que este seja um instrumento adequado da luta docente. De forma geral, isso corresponde à opiniao de 60 professores entrevistados, dentre os quais 49 já atuaram em greves e/ou manifestaçôes. Dez professores nao responderam esta questao (8.4 do Questionário).
Isto pode ser desvelado quando observamos as formas pelas quais os docentes rememoram suas experiências de greves. Diferentemente das lembranças desveladas pelas professoras aposentadas, a frustraçao, o cansaço e as perdas sao elementos que surgem em diversos depoimentos. Dentre os 86 docentes que participaram destes movimentos, 64 manifestaram uma memória negativa sobre eles. Apesar da diversidade de motivos explicitados pelos professores, pois a questao era aberta (8.3.3 do Questionário), os relatos evidenciam duas grandes faces da opiniao docente. A primeira delas é a impotência do movimento diante do aparelho repressor do Estado. A segunda, com mais força, pois se manifestou em número maior de relatos, é o problema da articulaçao e da (des)uniao dentro da categoria.
Na primeira, ganhamos uma dimensao do quao autoritária e até violenta tem sido a repressao contra os movimentos de greve dos servidores públicos paulistas, fazendo com que os trabalhadores temam à iminente asfixia material causada por prováveis cortes salariais, como se expressou a professora que relatou: "Antes, a greve era importante, fazia a diferença. Hoje é apenas prejudicial ao professor, pois temos muitos prejuízos. O governo detém o poder, sao mais de 20 anos. Quando deveríamos mudar, nao conseguimos, penso que a resposta deve ser na urna" (Questionário 16).
A professora do questionário 88 dialogou nesta mesma direçao ao dizer que o movimento era "válido, antigamente, porque podíamos repor e nao havia desconto salarial. Atualmente desconta-se tudo. Só há perdas". Nestas falas, também é possível perceber como o sentimento pela greve se altera com a dialética do tempo na memória. Isto é, estes e muitos relatos revelam um olhar mais convergente a este aporte de negociaçao/resistência quando se trata de um passado mais remoto, em uma memória mais relativizada pelo passar do tempo e o recontar das histórias, enquanto que a lembrança recente se manifesta traumatizada pela perda, já que ela ainda pode ser sentida como prejuízo real.
Entendemos, por um lado, que há um esforço da memória em se desenhar em contornos que corporifiquem as idealizaçôes e identidades sociais dos sujeitos que ^ experimentam lutas e situaçôes coletivas. A memória, segundo Maurice Halbwachs, mesmo ^ que nao se torne invençao, se delineia no afetivo-seletivo, e quando rememorada, a g
lembrança "é em larga medida uma reconstruçao do passado com a ajuda de dados ^
emprestados do presente, e além disso, preparada por outras reconstrujoes feitas em épocas anteriores e de onde a imagem de outrora manifestou-se já bem alterada" (HALBWACHS, 2004: 77). Isso contribui para compreendermos a nostalgia frente aos movimentos mais remotos, em contraposijao ás greves atuais, como a lembranja da docente que afirmou que "greve boa foi a de 1993!!". A mesma professora afirmou ter participado das greves de 1993, 2008 e 2010. (Questionário 108).
De acordo com a APEOESP, o desconto salarial em greve nao é uma atitude recente, exemplo é a greve de 1979, que sofreu forte repressao por parte do governo de Paulo Maluf, incluindo "descontos dos dias parados" 13.Cabe lembrar, ainda, que as experiencias de repressao/escassez geradas em cada momento histórico podem variar e que, na atual conjuntura, temos um quadro de professores onde, como vimos, mais da metade possui empréstimos e financiamentos, tornando tais vivencias possivelmente mais críticas, o que também poderia justificar o reordenamento da memoria acerca da greve.
Por outro lado, corroborando com os caminhos trilhados pelas memórias dos professores ativos participantes da pesquisa, o que se evidencia no histórico dos movimentos é que a precarizajao do trabalho operada sobretudo nos últimos quatro governos paulistas veio acompanhada do fortalecimento de estruturas de controle, repressao e intransigencia no diálogo com os trabalhadores. Assim, a ideia de prejuízo se manifestou em dezenas de relatos docentes, evidenciando que, guardadas as proporjoes da memória e seus possíveis relativismos, as perdas materiais dos trabalhadores em greve sao concretas e tem se tornado, ao longo do tempo, motivos de afastamento dos professores aos movimentos, mesmo como justificativas secundárias, conforme sugere o relato da professora: "Minhas participa9oes me deixaram com sabor de derrota pois, além de perder salário e quebrar o bloco da licenja-premio, nao foi conseguido o objetivo da valorizajao profissional com salários dignos e cumprimento da Constitui9ao Federal" (Questionário 101). Na mesma direjao somamos o depoimento da professora que afirmou que "O docente possui muito medo. O governo, a instituijao aterroriza a categoria, ameajando descontos e perdas salariais e eu mesma, como docente, me sinto impotente para mudar a nossa história" (Questionário 110).
O prejuízo material vem acompanhado, muitas vezes, do sentimento de medo e humilhajao, bem como da revolta, frente á violencia sofrida, pois a repressao ás greves docentes nao se limitam aos cortes de salários e prejuízo material. Há um prejuízo emocional, um desgaste perceptível. Muitos docentes rememoraram com tristeza suas experiencias de greve ao suscitar os momentos de violencia, como a docente que relatou: "Uma vez participei de uma passeata, em plena Avenida Paulista e os policiais correram atrás de nós professores. Foi uma experiencia horrível" (Questionário 37).
Com efeito, prejuízos materiais se somam aos emocionais neste retrovisor docente das greves, como relatou a professora que sistematizou suas consequencias da participajao de tres delas (1998, 2007 e 2010), elencando que sentiu "muito esforjo e estresse, muita inseguranja e tensao. Luta, mas sem retorno, e falta de dinheiro pelos descontos pós-greve" (Questionário 95). Mas os resultados emocionais parecem repercutir no longo prazo. Uma
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13 Dado extraído de http://www.apeoesp.org.br/o-sindicato/historia/ ^
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docente que afirmou ter participado de movimentos de greves passadas já há algum tempo (nao se lembra) advertiu que "foi horrível, voce se sente um trapo, e vulnerável" (Questionário 96). É possível inferir que tais experiencias, ao serem rememoradas nestas perspectivas, como humilhantes e fracassadas, contribuem para o enfraquecimento das articulajoes de greve14.
Na segunda acepjao, ainda relativa á memória (negativa) sobre a greve, os professores apontam a falta de uniao entre os docentes e, inclusive, dentro do sindicato, como marcos de suas opinioes e experiencias no fazer-se de greves e manifestajoes. Tal menjao já havia sido feita pela professora aposentada, Marisa, sinalizando que a questao nao é nova. Dentre os professores em atividade atualmente, sao dezenas de relatos a sugerirem que a falta de uniao e/ou pequena adesao dentro da categoria atrapalhou (e atrapalham) os movimentos, como ressaltou a professora ao afirmar, sobre a greve, que "é um movimento que nao reúne o número suficiente de professores para lutar por uma valorizajao dos docentes" (Questionário 14). O professor do Questionário 118 informou que, por suas participajoes nas greves, que foram muitas desde sua entrada na SEE-SP em 1989, aprendeu que "a classe é fragmentada e os objetivos a que se quer alcafar ficam capengando no meio do caminho". Nesta acep9ao, os professores horizontalizaram os problemas dos movimentos docentes, deslocando a questao da SEE-SP/Estado/Governo para os próprios professores, e consideram esse aporte de negociajao como algo obsoleto, que já funcionou mas deixou de funcionar, e deveria ser superado.
Neste diapasao, o sindicato também emerge como problema, oscilando entre relajoes conjunturais e estruturais (resultantes do neoliberalismo, por exemplo) e fragmentajoes internas (ainda na enfase da uniao da categoria). Nesse sentido, um docente, ao citar o enfraquecimento do sindicato dentro desse contexto de menor mobilizajao, ponderou que "no passado, havia maior engajamento, sentia o sindicato mais atuante e presente, verdade que as mudanjas do mundo do trabalho enfraqueceram os sindicatos" (Questionário 65).
Ainda, com mais recorrencia, o sindicato é citado por muitos professores como espajo de disputas político-partidárias entre grupos da categoria. Uma professora, ao referenciar suas experiencias de greve, afirmou que "no passado, era para o bem da base -docentes. Hoje é política - PSDB X PT" (Questionário 55). De forma semelhante se manifestou o professor que apontou "Falta uniao da categoria, por vezes manipulada pela disputa política dentro do sindicato" (Questionário 27). Seja no campo individual da conduta dos sujeitos, seja no bojo da organizajao docente coletiva, a questao da desarticulajao da categoria está posta na memória dos professores que participaram dos movimentos de greves e manifestajoes.
Na mais recente delas, ocorrida em 2015, (a mais longa da história da categoria, com 93 dias, de 13/03 a 13/06), a maioria dos professores estaduais de Andradina nao aderiu, basta dizer que os questionários foram aplicados nas escolas estaduais no período da greve, e em todas as escolas visitadas os professores informaram que paralisaram apenas um dia (13 de marjo), mas que nao fariam a greve em virtude das justificativas que aqui se expoem. É possível compreender que os professores ressaltaram suas memórias e avaliajoes negativas de greves face a uma defesa da decisao de nao aderir ao movimento que estava em curso no momento da aplicajao da pesquisa, embora nao tenham mencionado.
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No ambito dessa memória de movimentos passados, destacam-se experiencias onde professores explicitam e justificam essas opinioes. Assim temos o relato da professora que, apesar de ter participado de quatro greves, afirmou nao concordar mais com esse tipo de movimento justificando-se: "Parei, mas muitos colegas nao. Fui a Sao Paulo, mas de nada adiantou. A comunidade, os pais, nao apoiaram e nem participaram" (Questionário 21). Como o dela, destaca-se o depoimento da docente que, ao rememorar suas participajoes em duas greves, lembrou que "Na primeira greve, tive uma boa impressao. Na segunda, alguns colegas justificaram as faltas com licenjas médicas. Confesso que me senti muito frustrada com os colegas" (Questionário 94).
Nesta direjao também se exemplifica o relato da professora que participou de uma única greve na SEE-SP, no ano de 2007, e nao voltou a se engajar nos movimentos seguintes já que sua experiencia "foi frustrante, pois foram poucos professores que aderiram á greve, tivemos que repor as aulas e nos dias de reposijao sempre aparecia um professor que nao aderiu a greve, com desculpas, só para ver se estávamos repondo" (Questionário 113).
Neste momento da análise, podemos localizar outros limites e contradijoes, os pontos de enraizamento do individualismo e da competitividade neoliberal. Dos 96 professores que afirmaram já ter se engajado, apenas 15 docentes rememoraram positivamente suas experiencias de movimentos de greves e manifestajoes, como situajoes de classe, onde experimentaram lutas coletivas 15. Relatos como da professora que admitiu ter sentido "a emo9ao em poder participar, de reivindicar por melhores condi9oes de trabalho e financeiras" (Questionário 7) e do docente que avaliou, sobre os movimentos em que participou: "Eu gostei. Mostrou uniao. Foi emocionante" (Questionário 38), constituem um contraste tímido dos sentimentos da grande maioria dos professores consultados.
Nesse contraste, importa-nos observar por onde se espreitam os pontos de vista, aparentemente eivados pela condijao de sujeito coletivo, como do docente que acrescentou que gostou de ter participado de greve pois "ampliou minha visao sobre a categoría" (Questionário 49) e da professora do Questionário 58, ao relatar sobre sua adesao ás greves como "Emocionante ver a avenida paulista lotada de professores reivindicando seus direitos, mesmo com a cavalaria causando tumulto", ela participou de todas desde que entrou na SEE-SP em 1991, com excejao apenas da última, de 2015.
Um docente compreendeu, como resultado de suas participajoes nas diversas greves, que o movimento é "um momento de reflexao e esclarecimento sobre seu valor como profissional" (Questionário 97). Outro depoimento caminha nesta dire9ao, evidenciando engajamento e coletividade. A professora, ao afirmar: "Sempre participei ativamente, fazendo parte do comando de greve, tentando conscientizar os professores e toda semana ia para Sao Paulo nas Assembleias" (Questionário 40) demonstra que as greves ainda podem significar momentos de organizajao, negociajao e conscientizajao coletiva. Nestas brechas, tao tímidas por serem minoria, buscamos oxigenar o papel da
15 Além disso, 49 docentes nao relataram nenhuma experiencia ou memória de greve, ou porque nao participaram ou porque se abstiveram de responder.
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greve como experiência de classe. Ela seria um importante momento coletivo, a luta com identidade de classe.
Apesar disso, as relaçôes entre identidade e consciência de classe nao sao simples e nao podem ser resumidas de forma simplista. Nestas ocasiôes, isto é, nas greves, luta-se muitas vezes contra os efeitos da exploraçao, e nao às suas causas (MARX, 1982), e nao seria cabível buscar tal relaçao nos depoimentos docentes, porém, ao compreendê-la como um momento de fomentaçao da consciência social coletiva, de negociaçôes e antagonismos de classe, essa perspectiva se confronta com a recorrência de caráter individualista manifestado na maioria dos depoimentos dos docentes participantes da pesquisa, revela uma antítese colocada pelos sujeitos. Ou seja, no aspecto da contradiçao, trata-se de evidenciar um número expressivo de sujeitos que participam, vivenciam e constroem experiências agudas de classe (como a greve) mas nao demonstram ou rememoram tais experiências como momentos possíveis da constituiçao (mesmo que processual) de um fazer-se coletivo, de um devir conjunto e solidário, de um fortalecimento da identidade coletiva do grupo. Ao contrário, a greve constituiu, para nosso universo empírico, situaçôes de fraturas do professorado.
Somando ao debate as contribuiçôes de E.P. Thompson, com os elementos acerca da consciência de classe (aparentemente ausente nos objetos de acusaçao dos professores ao apontarem a falta de uniao da categoria), esta contradiçao se torna ainda mais explícita. Para este autor, tanto classe quanto consciência sao processos históricos resultantes das reiteradas experiências de classes pelas quais os sujeitos passam no bojo das relaçôes produtivas e que, culturalmente, também se apropriam. Para Thompson consciência de classe "é a forma como essas experiências sao tratadas em termos culturáis: encarnadas em tradiçôes, sistemas de valores, ideias e formas institucionais" (THOMPSON, 1987: 10).
A consciência, portanto, se relaciona às percepçôes dos sujeitos face às situaçôes de classe e de antagonismos sociais e liga-se (tanto quanto alimenta-se) gradualmente ao potencial de articulaçao e mobilizaçao coletiva, pois se refere a "consciência de uma identidade de interesse entre todos esses diversos grupos de trabalhadores, contra os interesses de outras classes. E (...) no crescimento das formas correspondentes de organizaçao política e industrial" (THOMPSON, 1987:17). Entao, como compreender que essa consciência de caráter social e coletivo se apresenta em alguns momentos/temas (e aqui cabe destacar que isso ocorreu quando investigamos sobre a bonificaçao por resultados) e, em outros, aparentemente mais suscetíveis ao seu desenvolvimento (greves), nao se apresentam, ou surgem em minoria?
Acreditamos que os olhares docentes perpassam e oscilam nos meandros da solidariedade e consciência, mas por vezes caindo nas armadilhas neoliberais de individualizar as responsabilidades. Quando se trata da política do bônus, as relaçôes sociais antagónicas parecem mais evidentes do ponto de vista hierárquico, pois os docentes gozam ou sofrem consequências das açôes arbitrárias do Estado que, de forma injusta, nas palavras dos docentes entrevistados, distribuem sem critérios os prêmios ou puniçôes aos ^ docentes, e estes últimos nao possuem um controle sobre tais açôes. Quando se trata das ^ greves, nao somente o Estado surge como responsável pelo fracasso, pelo cansaço ou g
decepçao, pois a força do movimento depende ainda da proporçao de adesao dos ^
professores, de suas condutas individuais e seus sacrifícios pessoais para somarem ao coletivo.
O aumento da dimensao do fator de sacrificio individual em contraposijao ás formas de repressao do Estado, no entanto, pode estar estritamente relacionado ás próprias estratégias de repressao. O ideário neoliberal incentiva o micro-olhar, a desconexao das conjunturas e estruturas, o individualismo e, ao que os depoimentos nos sugerem, torna-se mais difícil para os docentes enxergarem as estruturas agindo quando os sujeitos estao tao próximos, substituindo eventualmente os grevistas para complementar a remunerajao, observando a reposijao do outro, lanjando mao das licenjas em tempos de greve. Afinal, a consciencia de classe nao é linear e perpassa dialeticamente pelas necessidades de sobrevivencia material. Cássio Hideo Diniz Hiro, em sua dissertajao de mestrado, procurou compreender os movimentos docentes em Minas Gerais no complexo processo de constituijao social da categoria, encontrando as mesmas contradijoes que dispusemos aqui. Sobre isso, ele considerou:
Em muitos casos podemos observar que as greves e as ajSes de massa dos trabalhadores representam, de fato, o desenvolvimento, na prática, de uma consciencia coletiva daqueles que nelas participavam. A identidade dos sujeitos pertencentes a uma mesma categoria, e, possivelmente, o reconhecimento de uma classe social, sao marcas visíveis desses processos. (...) Ao mesmo tempo podemos observar certos conflitos e contradijoes existentes em seu próprio interior, como por exemplo, a divisao entre os grevistas e os fura-greves, durante e depois do movimento paredista. Conflitos, estes, que nao sao exclusivos dos docentes, mas também de várias outras categorias de trabalhadores. Contradijoes que se apresentam entre a solidariedade e o conflito, em um processo dialético que, muitas vezes, desenvolvem-se e podem apontar a superajao do estado atual em que se encontra uma classe social. Uma possível consciencia de classe pode se desenvolver e se constituir em meio a essas contradijSes que permitem, aos poucos, a superajao de uma falsa consciencia, caso ela se apresente de fato. Neste caso, é importante compreender que a história social se desenvolve de forma processual, com seus ascensos e refluxos, com avanjos e retrocessos, que nao podem ser observados de modo cartesiano e linear (HIRO, 2012: 127-128).
É nesta perspectiva que empreendemos nosso olhar sobre as memórias docentes no que tange ás greves e ás contradijoes inerentes a elas. Se, de um lado, temos que as greves histórica e teoricamente se constituem como experiencias de classes, matéria prima de sua consciencia, elas, por outro lado, podem motivar novas fraturas, sobretudo opondo aqueles que participam daqueles que nao se engajaram, mesmo que estes últimos estejam agindo (ou deixando de agir) sob efeito da repressao. Se nos detivermos apenas na teoria, perdemos a oportunidade de captar a complexidade do processo.
A necessidade de auscultar dialeticamente os sentimentos docentes e observar suas O práticas em experiencias reais serve para descartarmos qualquer possibilidade de CO enquadrarmos os sujeitos e suas histórias em gavetas teóricas e personalidades s
revolucionárias ideais, bem como nos proporciona desvelar processos, apreender como eles ^
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se manifestam na vida real dos sujeitos, compreender suas contradiçôes como partícipes das suas próprias experiências coletivas a oscilar entre a solidariedade, a reproduçao e a competiçao. Com efeito, os teóricos, por vezes, idealizam a classe operária como sendo portadora do espírito revolucionário, e é possível que se idealize, também o professor e a categoría docente, por sua realidade objetiva do trabalho intelectual, como portador de uma razao social impecável, iluminados por ciências e saberes, bem como do espírito crítico da resistência. Devemos considerar, todavia, a hipótese de que por vezes os professores reproduzam a ideologia dominante, já que sao sujeitos e estao repletos de contradiçôes e humanidade. Entre os sentimentos de impotência frente à repressao do Estado e frustraçôes diante da própria categoria, ao considerarem suas participaçôes como negativas e algo traumáticas nas greves, os professores descortinaram suas experiências reais e suas fraturas e ainda, evocaram a uniao da categoria como objeto central da discussao, evidenciando que a sua ausência aponta para sua premência. Há um esforço, ainda que no discurso, de coletividade.
Além disso, nas margens da organizaçao social docente é preciso considerar todo o cenário. Nossa pesquisa se debruçou no descortinar o cenário de precarizaçao do trabalho docente nos seus pressupostos intencionais do ponto de vista institucional, nas suas manifestaçôes legais e nos desdobramentos diretos e indiretos do trabalho na escola, além de suas consequências mais dramáticas, como o quadro de adoecimento. A intensificaçao da exploraçao do trabalho, a proletarizaçao que força o sujeito a atuar como objeto é um processo agressivo e está em curso na SEE-SP, e sabemos que onde há exploraçao, provavelmente encontraremos vestígios e indícios de resistências, sejam individuais, no absenteísmo, na negativa em preencher mais e mais papeis, seja no ámbito coletivo, no fazer-se de greves, ainda que fraturadas, incompletas.
Mas também erraremos se dimensionarmos, para mais, a responsabilidade individual docente pelo seu aparente imobilismo quando nao aderirem às greves. Exigimos uma consciência social e um sacrificio (já que os movimentos coletivos demandam tais elementos), mas se nao costurarmos essas fendas ao cenário que desvelamos estaremos cometendo um deslize epistemológico tanto por impor uma idealizaçao sobre sujeitos (daí a frustraçao de nao encontrarmos tantos militantes assíduos entre os docentes) quanto por desprezar o sacrificio original dos professores que já lutam (apenas) no exercício diário do trabalho precário.
Como brechas para olhar os sujeitos por meio da luta, para além da açao coletiva, é preciso compreender também o cotidiano docente como palco de batalhas e frustraçôes. Nao necessariamente tomados dos conceitos de resistência, mas de um olhar peculiar de cotidiano, que como afirmou Heller, pode estar prenhe de elementos que aprofundam as distáncias entre expectativas e realidade, de idealismos e acepçôes anteriores que nao se realizam. Heller sugere que "as esperanças estao impregnadas de contingência, mas o que experimentamos sao os difíceis fatos da vida, a limitaçao factual de nossas possibilidades. A discrepáncia entre esperança e experiência é motivo de constante insatisfaçao e descontentamente" (HELLER & FEHER, 1998: 35)
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Consideramos que os professores entram em movimentos de greve porque, apesar g
de muitos nao concordarem com esta estratégia, ela é uma herança atual e legítima dos
movimentos docentes, que floresceram com o novo sindicalismo, ou como os professores afirmam, o único recurso que produz algum efeito, mesmo que seja apenas visibilidade. Sobre isso, assim como já mencionado no depoimento da professora Marisa em sua memória de greves, 57 docentes ativos sugeriram que elas sao, ainda, o único instrumento que os docentes tem em maos para se fazerem ouvidos e vistos pela sociedade e pelo governo, mesmo que alguns deles nao concordem com esta estratégia ou fajam ressalva que seus efeitos serao diretamente proporcionais á uniao dos professores.
Quando questionados sobre os instrumentos de resistencias que existem e sobre possíveis alternativas futuras, os professores, em maioria, retomaram a importancia da greve, talvez por nao encontrar, no plano das experiencias reais, outras estratégias de negocia9ao. Assim se manifestou a docente que, mesmo discordando, afirmou que "nao deveria ser através da greve, mas infelizmente nao estamos enxergando outro jeito" (Questionário 2). Os relatos apontam a falta de alternativas, assim, nesta mesma direjao, outra docente salientou que a greve é o único recurso de pressao contra o governo, ainda asseverou: "nao vejo outra maneira!" (Questionário 70).
A visibilidade do movimento aparece como o diferencial que faz com que muitos docentes, ainda que discordem destas estratégias e conclamem mais uniao da categoria, citem a greve como único caminho atual de resistencia e negociajao, como a docente que afirmou que "se nao houver uma manifesta9ao, o governo acredita que os professores estao satisfeitos. Com as paralisajoes e manifestajoes, o governo acaba tendo que tomar uma postura" (Questionário 87). Outra professora lembrou que "apesar do governo nao atender as reivindicajoes, ainda é uma forma de mostrar a nossa insatisfajao, os nossos desejos e opinioes" (Questionário 113). Há uma crítica, sempre presente, aos modos como as greves sao conduzidas, mas foram muitos os docentes que ressaltaram a escassez de alternativas ou modelos de resistencia. A professora do questionário 119 afirmou que a greve é melhor instrumento para reivindicar as demandas dos trabalhadores docentes mas criticou o movimento recente e ressaltou:
Mesmo nao sendo do sindicato, me predispus a buscar materiais e distribuir nas escolas, vizinhanja, espajo de lazer que frequentava. No entanto, o "povo" do sindicato nao me recebeu bem e nem fizeram questao de me passar os materiais que solicitei. Apesar de, no momento, eu nao estar na greve. Se os sindicatos nao tem conseguido negociar, é preciso que o governo veja a nossa insatisfajao e se nao for através de ajSes no coletivo ele nao se incomoda. Os professores devem utilizar as mobilizajSes em massa (Questionário 119).
Em uma perspectiva do discurso, superando as questoes trazidas pela memória e experiencias reais, vividas pelos sujeitos, a greve como estratégia ideal parece se regenerar aos olhos dos professores. Como apresentamos, muitos deles admitiram que esse tipo de movimento é o único caminho existente para pressionar o Estado, único aporte de negociajoes de demandas. Claro que esse retorno também pode ter se dado em funjao da O confrontajao que o questionário colocou aos docentes, pois após rememorarem suas CO experiencias de greve e destilarem suas decepjoes, os professores foram instados a pensar e J
sugerir formas alternativas de superar esse modelo de resistencia (Questao 8.5 do Questionário). Muitos, portanto, retornaram a ele.
Mas ainda que em menor número, vale destacar que mais de vinte docentes sugeriram possíveis alternativas de resistencias para superar as greves, considerada, por muitos, formas obsoletas de negociajao. Podemos considerar que tais sugestoes se direcionam em dois grupos e, embora diminutos, entendemos ser importante discuti-los.
O primeiro, citado por pelo menos 12 professores, reside na seara política de representatividade, no voto, com escolhas de governantes comprometidos com a educajao, como a professora destacou:
Nao vejo outra forma para nossa reivindicajao, uma vez que há muito tempo nao conseguimos eleger representantes de nossa causa. Embora acredite que a desvalorizajao da classe atinge o país em todas as redes. Seria necessária uma mobilizajao nacional. Como somos formadores de opiniao, a melhor forma é a conscientizajao dos alunos, para que desta forma, futuramente, escolham melhor nossos representantes (Questionário 112).
Nessa vertente, uma docente advertiu que a estratégia alternativa á greve seria "nao votar no PSDB" (Questionário 64), e um professor depos que a greve seria o melhor instrumento, "mas o pouco engajamento e a fraca mobiliza9ao inviabilizam o movimento. Se a categoria conseguisse eleger políticos comprometidos com a categoria poderia ter maior poder de pressao" (Questionário 65). Notamos alguns limites nesta seara, na contradijao entre a negajao partidária e o apelo da representatividade política nas instáncias de poder público.
No bojo das críticas ao sindicato e ás condutas de greve se encontram os argumentos de que os sujeitos envolvidos sao partidários, de que agem sob a lógica da política partidária. Isso sugere uma ética antipartidarista ou, como preferem os próprios docentes consultados, apartidária. Mas como utilizar a representajao política para defender os direitos e demandas do professorado, sem vincular-se a partidos? Rosário Lugli, ao estudar os percursos trilhados pelos docentes no campo político, em um movimento corroborado pela categoria na ánsia de representatividade, apontou que o processo passa necessariamente por este limite. A autora descreveu a trajetória histórica desse movimento iniciado nos anos 1930 e destacou uma marca das campanhas políticas dos docentes nos anos que se seguiram:
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Como característica comum a absolutamente todos os anúncios, temos a omissao dos partidos políticos, que se vincula á intenjao de permanecer "politicamente neutros", expressa nos estatutos redigidos quando da criajao das entidades analisadas. Ora, tal "neutralidade" política, ante atua^Ses que necessariamente implicavam posicionamento quanto a políticas de estado no campo educacional, revela-se, na prática, impossível, e termina por se realizar apenas como um distanciamento de legendas partidárias, visto como um meio de afastar os "políticos profissionais" das decisSes educativas, numa tentativa
de delimitar o espaço do campo profissional tornando-o ámbito exclusivo das decisôes técnicas dos educadores (LUGLI, 2005: 234).
A invocaçâo de representatividade política nao é novidade entre os professores e as suas associaçôes, tampouco o ethos antipartidário da categoría. É nesse limite que Lugli localiza um círculo vicioso que perdura quase um século, entre o discurso da representatividade e a crítica do partidarismo, desvelando algumas experiências malsucedidas, do ponto de vista político, como expressôes da ineficiência desta estratégia 16. Estas consideraçôes, no entanto, nao servem aqui para resolver um imbróglio histórico na categoría, nem para deslegitimar as opiniôes dos professores consultados em nossa pesquisa. Nosso entendimento é a compreensao de que, se por um lado, os docentes nao se sentem satisfeitos com seus aportes de negociaçao e, por outro, continuam a patinar na elaboraçao de novos aportes.
O segundo grupo de sugestôes registradas pelos professores, como propostas de açôes de resistência e negociaçao, é a articulaçao (e açao) direta, por meio de mídias e redes sociais. Ao menos 10 deles as citaram como formas de renovar as práticas de resistência, como a professora ao afirmar que "as greves acabam com o sistema nervoso e emocional", preconizando, entao, substitui-las por "diálogos e cartas, aliás, hoje é com e-mails, torpedos, whats app, e outros, para os nossos dirigentes, e publicando" (Questionário 89). Como ela, outra docente advertiu que "os professores deveriam utilizar instrumentos que falem diretamente com o povo, como as redes sociais" (Questionário 113).
Aí reside uma certa novidade, impulsionada principalmente a partir dos protestos populares ocorridos em junho de 2013 em várias partes do país, iniciados com demandas locais, localizadas no "Movimento Passe Livre" (contra o aumento de passagens de ônibus em Sao Paulo), mas que ganharam heterogeneidade, força, visibilidade e volume durante
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pelo menos dois meses seguintes . A novidade estaria no recurso de articulaçao. Os movimentos e protestos emergentes naquela conjuntura se engendraram por meio das redes e mídias sociais. De acordo com Peruzzo, os instrumentos revelaram um ineditismo do modus operanti nos movimentos de junho de 2013:
16 No referido artigo, Rosário Lugli utilizou-se das categorías teóricas de campus e habitus, de Pierre Bourdieu, para evidenciar os limites da atuajao representativa dos professores no campo político, e para isso discutiu algumas das experiencias eleitorais e políticas, entre elas, em Sao Paulo, as trajetórias de Sólon Borges dos Reis, ex-presidente do CPP, com sucessivos mandatos de deputado estadual e federal. O populismo e a inserjao dos professores aos jogos do campo político balizaram tais experiencias, pois o próprio Sólon Borges, que foi tao aclamado pela categoría e tao bem votado, chegou a ser vice-prefeito e secretário de Paulo Maluf, um político reconhecidamente avesso ás demandas do professorado paulista.
17 Ao discutir os protestos de junho de 2013 para compreender a dimensao das tecnologias midiáticas em sua articulajao, Cicília Peruzzo buscou caracterizá-los da seguinte forma: "Nao se trata somente de um movimento de esquerda, muito menos só dos setores tradicionais de representajao política. Até o repúdio a partidos políticos de esquerda roubaram a cena em alguns momentos nas manifestajoes de junho e julho. No conjunto, houve uma mescla de segmentos de classe e de tendencias político-ideológicas: de esquerda, liberais, conservadores, grupos com conotajao, gente que quer mudar o Brasil, gente que apenas aderiu e participou, mas sem saber bem o porque ou, como lembra Chauí (2013), o fez apenas para sair de casa. " té Enfim, os protestos de junho de 2013 - momento em que tiveram maior adesao - expressaram o heterogéneo" J^ (PERUZZO, 2013, 79). £
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O uso da internet, das mídias e redes sociais virtuais e de celulares se constitui num diferencial importantíssimo do novo grande movimento social que mexeu com o País e com as visSes sobre ele. As mídias e redes sociais virtuais (YouTube, Flickr, Facebook, Instagram, Twitter etc.) se constituem em canais de informado, em ambientes comunicacionais, em pontos de encontro, enfim, em redes e, as vezes, até em comunidades, que facilitaram os relacionamentos (entre os que estao conectados), a articulado entre as pessoas e as a?5es conjugadas (acertos de dia, local e hora para encontros presenciais). Claro que servem ainda de arena de debate, de difusao, acesso e troca de informado. Tudo isso, no que se refere ao ambiente interno no ciberespa^o e no que diz respeito ao processo de mobiliza^ao que acaba por desembocar nas ruas das principais cidades do País (PERUZZO, 2013: 79).
Mas, no mesmo texto, ela aponta os limites na compreensao do alcance dos recursos mencionados quando se trata de movimento social. Para ela, a dimensao da novidade reside nos meios de comunicajao da articulajao do movimento social, mas este somente se materializa e se realiza, enquanto tal, nas ruas, que sao espajos tradicionais dos protestos populares. Assim, a autora continua:
As mídias e redes virtuais sao importantes canais e ambientes comunicacionais para a articulajao, mas a tecnologia somente favorece as mobilizajSes se o seu uso for atrelado á luta social mais ampla, ou seja, relacionadas ás organizajSes de base popular, comunidades, movimentos sociais etc. - extra ciberespajo ou existentes nele - porém, portadores de vínculos consistentes e duradouros (PERUZZO, 2013: 83).
Nestas considerajoes, entendemos que as redes sociais nao substituiriam, portanto, as greves e manifestajoes, conforme sugeriram alguns docentes. Elas quijá aumentariam o seu potencial articulador. Mas a recente experiencia de 2015 é exemplar para diminuir tais expectativas, pois houve uma greve que, apesar de longa, perpetuou problemas anteriormente apontados pelos professores no que tange á articulajao e uniao da categoría, ainda que utilizando recursos de mídias e redes sociais.
Com isso, reiteramos que os contrapontos observados diante das propostas colocadas pelos docentes possuem o escopo de problematizar o olhar dos sujeitos acerca da superajao do recurso das greves como meio principal de negociajoes no campo do trabalho e dos diretos docentes. Nao porque a elegemos como melhor instrumento da luta, mas porque, na prática, nenhuma outra experiencia se materializou para que possamos avaliar. Nao se trata de negar a opiniao docente, mas de confrontar a história e o cenário dado com a realidade que tem se construído no decurso das críticas, em um exercício de oposijao ao idealismo (aqui no sentido hegeliano). Com efeito, ao compreender a insatisfajao e o sentimento de que os movimentos grevistas tornaram-se, para os professores, saídas \
obsoletas, concluímos apenas que a categoría ainda nao saiu do campo do discurso e da CO crítica. s
Cabe expor algumas das sugestôes listadas pelos professores estaduais de Andradina para a renovaçâo das formas de resistências dos docentes e que nao se enquadram nos dois grupos anteriores. Enquanto 20 professores mencionaram os recursos, ainda que limitados, das redes sociais ou das eleiçôes de representantes docentes no campo político, cerca de 40 propuseram "horizontes sem caminhos", metáfora do idealismo que apontamos. Ou seja, uma parte dos docentes revelou críticas e idealizaçôes, mas em aportes vagos, tais como a professora que, ao questionar a greve, apontou: "Acho decadente ter que nos humilharmos tanto e nada adiantar. Deveria-se ter assegurados os direitos e demandas" (Questionário 21).
As estratégias de resistências docentes nao implicam em subversao ou ruptura
política. Alguns professores sugeriram 'greve branca' como melhor estratégia de
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negociaçao e consequente caminho para a (re)valorizaçao da categoría . Há posturas bastante conservadoras, inclusive. Um professor chegou a afirmar que os docentes deveriam deixar a profissao para tornar a categoria menor e, em funçao de uma relaçao entre "oferta e procura", os professores seriam valorizados, como parecem ter sido em um passado remoto, aqui bastante idealizado (Questionário 114). Outra, ainda destacou que a única soluçao seria evidenciar o bom trabalho realizado pelos professores na melhoria dos índices de avaliaçôes institucionais e externas, de modo que assim o Estado passaria a respeitar a categoría (Questionário 126).
Para muitos docentes, a retomada da valorizaçao do professor demanda 'conscientizaçâo', apesar do termo ser utilizado aqui de forma idealista. Devemos considerar que em suas demonstraçôes de insatisfaçao, os docentes apontam para um passado ideal, onde o professor era deveras respeitado, valorizado. Os professores reagem, muitas vezes, sob o olhar da tradiçao, isto é, de evocar um status anterior mesmo conservador, pois isso implica em questionar, nas entrelinhas, a própria expansao da oferta de ensino e sua democratizaçao às classes populares, considerada um marco para o processo de precarizaçâo. Loureiro lembra que:
(...) a docência vive, por um lado, o mito de uma idade de ouro passada, onde detinha um prestigio e reconhecimento social inquestionável; por outro lado, vive o mito da construçao de um novo futuro para a profissao, que se vem traduzindo numa crise de identidade profissional. Esta, por sua vez, caracterizase pela sua ambivalência, sendo favorável a novas reflexôes e à revisao de tudo o que parecia estabelecido, mas é igualmente propícia ao retorno de diagnósticos mágicos ou fórmulas míticas de salvaçao em referência à tradiçao. Esta situaçao de crise (que só começa realmente a perpetuar-se quando já nao há um modelo de substituiçao) conduziu à reflexao sobre a necessidade de transformar a docência numa "verdadeira profissâo", que se baseia, por rum lado, na premissa de que esta aspiraçao permita o acesso a um estatuto social e ocupacional elevado e que, por outro lado, conduza a melhores escolas. (LOUREIRO, 2001: 11)
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Greve branca consiste na paralisaçao sem afastamento dos trabalhadores do seu local de trabalho (MARRAS, 2001). Nos depoimentos que surgiram essa modalidade de estratégia, que foram três, os J^
professores sugeriram nao entregar notas bimestrais, por exemplo. ^
No bojo do idealismo docente, ás vezes vacilante, os reiterados termos 'consciencia' e 'conscientiza9ao' surgem com recorrencia, como na fala da professora ao indicar que "a única estratégia é a conscientizajao da sociedade, pais e alunos, em prol do professor, caso contrário, nao consigo ver outra forma" (Questionário 58), ou "tentando conscientizar a sociedade em geral" (Questionário 65). Nao fica claro, em grande parte dos depoimentos, o que realmente os professores estao a sugerir, tampouco o que compreendem pelo processo de "conscientizar", uma vez que, limitados ao plano do discurso, esta conscientiza9ao se apresenta como algo externo, e nao interno, e sem caminhos, exemplos ou possibilidades práticas ou concretas. Há uma solujao, mas nao há ajao, o que inviabiliza a prática.
3. Resistencia e precarizajao: considerajoes
Impossível, nesse ponto, nao lembrar das "ideias-for9a" de Paulo Freire, até porque inseridas no texto "Conscientiza9ao". Nelas, Freire provoca o leitor a compreender que as respostas que os homens precisam dar aos desafíos que se colocam á sua realidade tanto transformam essa realidade quanto o próprio homem, desde que dialeticamente integradas ao plano da ajao, da prática reflexiva dos sujeitos. Ironicamente (no nosso pensar), ele cita as greves como uma das possíveis respostas:
Cada relajao de um homem com a realidade é, deste modo, um desafio ao qual deve responder de maneira original. Nao há modelo típico de resposta, senao tantas respostas diferentes quantos sao os desafíos... E ainda é possível encontrar-se respostas bem diversas a um mesmo desafio. (...) Frente ao desafio que constitui para o operário alguma tentativa de utilizajao, que faz dele um objeto, pode responder pela passividade resignada, por um trabalho malfeito, pela greve, pela obediencia ou rebeldia, uma organizajao sindical, um diálogo com os patroes etc. E, por outra parte, cada um destes tipos de respostas é susceptível de traduzir-se em múltiplas formas concretas. O importante é advertir que a resposta que o homem dá a um desafio nao muda só a realidade com a qual se confronta: a resposta muda o próprio homem, cada vez um pouco mais, e sempre de modo diferente. (...) No ato mesmo de responder aos desafíos que lhe apresenta seu contexto de vida, o homem se cria, se realiza como sujeito, porque esta resposta exige dele reflexao, crítica, invenjao, eleijao, decisao, organizajao, ajao... todas essas coisas pelas quais se cria a pessoa e que fazem dela um ser nao somente "adaptado" á realidade e aos outros, mas "integrado". (FREIRE, 1980: 30).
Os professores estaduais de Andradina provavelmente experimentaram, no decurso de suas histórias, reflexoes e ajoes, experiencias de classe, avanjos e retrocessos que, obviamente, também os transformaram como sujeitos. As contradijoes aqui expostas resultam, em muito, desse processo tao dialético do pensar e agir, entre o individual e o coletivo, entre o conformar e o resistir, processos que hoje estao tao marcados pela ^ premencia do imediato, da eficiencia e da obsolescencia que o cenário e as estruturas impoem. O cenário imposto pelo atual estágio do capitalismo, ao provocar a incredulidade,
obscurantismo e dificultar o olhar estrutural/coletivo/transformador constitui a crise, mas, também, constitui o desafio.
Isto significa dizer que a crise da mobilizajao da categoria docente é parte do escopo da precarizajao do trabalho, engendrado na premencia neoliberal da gestao sobre o trabalho e a educajao, materializadas na fragmentajao, na soberania do indivíduo, no estímulo aos financiamentos (leia-se endividamentos) por parte dos professores, enfim, na constituijao de obstáculos para a unidade combativa da categoria docente.
As questoes referentes ás formas de resistencias e negociajoes possibilitam extrair, na pesquisa, uma infinidade de análises e o material construído é ainda promissor neste sentido, a ser futuramente esgotado. Como observamos, as memórias e os olhares docentes apontaram sentimentos de incredulidade, crise de representatividade, críticas, sugestoes ideais, poucos caminhos, muitos horizontes, mas, na totalidade dos discursos e das memórias, o consenso se localiza na insatisfajao. Há uma crise de coletividade, há uma dificuldade em realizar e integrar greves efetivas ou trajar novas formas de negociajao, mas ninguém nega a premencia da luta, evidencia maior da precarizajao do trabalho docente.
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